O Estado de S. Paulo, n. 46559, 08/04/2021. Metrópole, p. A16

Coalizão de empresas cobra ampliação de meta climática e redução de desmate

André Borges


A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento que reúne mais de 280 empresas e instituições representantes do agronegócio, meio ambiente, setor financeiro e academia, enviou uma carta ontem ao governo Jair Bolsonaro para cobrar metas mais ambiciosas em relação ao clima e medidas que enfrentem, efetivamente, o problema do desmatamento ilegal – a gestão atual registra os piores índices da história. O texto aponta seis medidas que podem reposicionar o País na agenda climática, com base em leis e normas que já estão em vigor, como o Cadastro Ambiental Rural.

A coalizão inclui nomes de empresas e instituições como Amaggi, Bradesco, Carrefour, Cargill, Duratex, Gerdau, Imazon, Instituto Ethos, Itaú, Klabin, Santander, Suzano, UBS, Unilever e WWF Brasil. O assunto será tratado durante evento organizado pelo governo americano, entre os dias 22 e 23 de abril. Há duas semanas, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, oficializou o convite a 40 líderes internacionais, entre eles Bolsonaro, para participar do encontro que vai debater a pauta climática, por videoconferência. Biden colocou a questão climática no centro de sua política externa e quer usar a reunião para que países cheguem a acordos para a Cúpula do Clima, encontro da Organização das Nações Unidas (ONU) previsto para acontecer em novembro, em Glasgow, na Escócia.

Na carta ao governo brasileiro, à qual o Estadão teve acesso com exclusividade, a coalizão lembra que “o Brasil é considerado um país-chave nos esforços globais para o equilíbrio climático do planeta”, mas que, com uma decisão anunciada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no fim do ano passado, houve “redução no nível de ambição” - isso torna o País menos atraente para investimentos internacionais e abertura do mercado de carbono. “O Brasil só vai receber apoio e parcerias externas por esforços de mitigação como contrapartida a avanços efetivos na agenda climática. Para tanto, é fundamental o País alcançar uma significativa redução de emissões de gases de efeito estufa, trabalhar pela eliminação do desmatamento ilegal de seus biomas e combater a ilegalidade.”

O Brasil é o 6.º maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, e a destruição das florestas responde pelo maior volume dessas emissões. Em novembro, Salles praticamente só confirmou as metas que já haviam sido apresentadas pelo governo de Dilma Rousseff em 2015 e condicionou seu cumprimento a uma ajuda financeira estrangeira, o que não tinha acontecido antes.

No Acordo de Paris, o Brasil havia se comprometido em reduzir suas emissões em 37% até 2025, com base em 2010, e indicou que poderia chegar a 43% em 2030. A maior parte dessa redução se daria com o combate ao desmatamento ilegal, que deveria ser zero até 2030. Salles confirmou os 43%, mas disse que isso dependeria de ajuda estrangeira, o que não foi bem visto internacionalmente.

A posição também foi criticada por empresas. “Para nós, o ponto central dessa questão climática é o desmatamento ilegal. Sabemos que 40% das emissões brasileiras vem dessas ações. É o que mais mancha a imagem do Brasil no exterior. Essa é a questão que preocupa as empresas que exportam”, disse à reportagem o representante da coalizão, Marcello Brito, que também é presidente do conselho da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). “O Brasil sempre foi um País de excelente imagem, que exportava sustentabilidade. É isso o que queremos resgatar.”

Na semana passada, em entrevista ao Estadão, Salles disse que o governo consegue reduzir a devastação da Amazônia em até 40% em 12 meses, mas somente se receber US$ 1 bilhão de países estrangeiros. Sem verba, afirmou que não se compromete com porcentuais. As taxas oficiais de desmatamento observadas nos dois primeiros anos em que esteve à frente do ministério são as maiores desde 2008. A do ano passado foi 47% maior que a observada em 2018.

Na mesma semana, o Departamento de Estado havia convocado jornalistas brasileiros para uma teleconferência, em Washington, com um influente diplomata americano. E o recado foi duro. “Queremos ver coisas tangíveis contra o desmatamento ilegal. E queremos ver uma diminuição real ainda este ano, não esperar cinco ou dez anos.” O diplomata disse que o governo americano sabe que a forma de agir é uma decisão soberana do Brasil, mas não descartou eventuais sanções – e deixou claro que financiamento deve estar ligado a resultados.

Histórico. O Brasil é considerado um país-chave nos esforços globais para o equilíbrio climático. Entre 2004 e 2012, o Brasil fez a maior redução de emissões de gases de efeitos estufa já registrada por um único país, ao reduzir em 80% sua taxa de desmatamento, afirma a coalizão, no documento enviado ao governo. “Este é o momento de os brasileiros retomarem esse protagonismo histórico. Por isso, a Coalizão Brasil reafirma que a ambição do país nessa agenda climática precisa ser expressiva e permanente. Algo importante não somente para a comunidade internacional, mas também para o país consolidar-se como uma das maiores economias do mundo.”

Outros tempos

“Éramos top 5 no comando dessa agenda. Hoje, chegamos a um encontro com pedidos nas mãos. Dizer que você me dá ‘x’ e reduzo ‘y’ em determinado tempo é algo temerário.”

Marcello Brito

Presidente da ABAG