O Globo, n. 31592, 04/02/2020. País, p. 8

Cabral confessa propina com Pezão, que rebate: ‘Mentira’
Juliana Castro


O ex-governador Sérgio Cabral afirmou ontem, em depoimento à Justiça Federal, que seu sucessor no Palácio Guanabara, Luiz Fernando Pezão, participou “da estruturação dos benefícios indevidos desde o primeiro instante do governo” e nos oito anos em que comandou o estado. Cabral disse também que, em governos anteriores, os percentuais de cobrança de propina eram ainda maiores. Pezão foi ouvido pela primeira vez pelo juiz Marcelo Bretas e negou todas as acusações, dizendo ser alvo de mentiras do antecessor e de outros delatores.

— Estabeleci junto com o Pezão o percentual de 5% (do valor dos contratos): 3% para o meu núcleo, 1% do núcleo dele (Pezão) e 1% para o TCE (Tribunal de Contas do Estado) para aprovação das licitações — disse Cabral, salientando que também ficou acertado um pagamento mensal ao seu vice à época.

Pezão prestou depoimento depois de Cabral e negou todas as acusações.

— Nunca recebi dinheiro, propina (...). Não tem uma prova, um empreiteiro que sentou aqui e falou de mim — disse o ex-governador.

Em outro momento do depoimento, Pezão comentou sobre sua prisão, quando ainda estava no cargo.

— Eu fiquei em estado de choque. Como se tira um governador eleito em cima de questões daquelas — afirmou, em referência aos argumentos do Ministério Público Federal (MPF).

Pezão foi denunciado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ele é acusado, junto de outras 14 pessoas, incluindo Cabral e dois ex-secretários, de ter recebido vantagens indevidas que somam R$ 39,1 milhões, em valores atualizados.

‘Taxa de oxigênio’

Cabral declarou que foi Pezão quem batizou a cobrança de 1% para sua estrutura de “taxa de oxigênio” e que ele direcionava licitações para escolher as empresas que as ganhariam.

— Quem estabeleceu (o nome de taxa de oxigênio) foi o próprio Pezão porque ele dizia que tinha que abastecer os subsecretários — afirmou Cabral.

— O Pezão recebeu valores durante todos os oito anos de pagamentos extras.

Em seu depoimento, Pezão se disse surpreso com a declaração do antecessor. Cabral ainda disse que, antes de deixar o governo, fez no Palácio Guanabara reuniões de passagem com Pezão e empresários para avisar que deixaria o cargo para o vice tentar a reeleição e que o esquema de pagamentos de propinas continuaria com ele. Bretas questionou Pezão, que negou as afirmações do ex-aliado.

Com a Fetranspor, disse Cabral, ficou acertado que Pezão era quem passaria a receber os R$ 500 mil mensais, além de R$ 30 milhões para a campanha. Cabral receberia R$ 8 milhões para ajudar deputados.

Ao fim do depoimento, o ex-governador declarou que um ex-funcionário de confiança lhe confessou que guardava valores ilícitos do sucessor. Questionado por Bretas, Pezão disse que tudo o que tem está em suas declarações de Imposto de Renda.

Pezão começou seu depoimento dizendo ter sido uma violência muito grande ter sido preso em pleno mandato. Ele reclamou de todo o processo que envolveu sua prisão em novembro de 2018.

— Achei uma violência muito grande e pior: fui investigado e denunciado na primeira fase da Lava-Jato (em Curitiba), fui investigado três anos pela força-tarefa da Lava Jato e tive minha vida vasculhada de tudo quanto é jeito, cartão de crédito, telefone... A Polícia Federal pediu arquivamento —disse.

Pezão disse estar esperando para falar há um ano.

— Estou esperando há 14 meses para falar. Fui julgado, condenado e preso sem poder falar. Tem muitas questões que queria levantar antes de responder. Fui tirado de dentro do Palácio Laranjeiras de uma maneira particularmente para mim muito violenta. Não esperava, faltando 33 dias para terminar o governo, viver o que vivi — disse ele, ressaltando a presença de homens armados com fuzis e pistolas na residência oficial.

“Sei o que sofri na prisão”

O ex-governador classificou como “inverdade” e “uma mentira grande” os depoimentos de delatores e do próprio Cabral. Ele citou especificamente o delator Sérgio Castro, operador de seu antecessor no governo:

— O seu Sérgio Castro veio aqui dizendo que me entregou dinheiro e fui assaltado (sua casa no Leblon) no dia seguinte. Eu estava na Itália nesse dia.

Depois do depoimento, Pezão concedeu entrevista e afirmou que Cabral “está querendo um benefício” porque “está com uma delação para ser homologada”.

Ele falou ainda sobre o período em que ficou preso:

— Foi um período muito difícil e injusto. Graças a Deus, tenho muita resiliência. A prisão não é lugar para você ficar um dia. Eu fiquei um ano e 12 dias lá dentro, então sei o que sofri.

Pezão é acusado de receber R$ 150 mil mensais em propinas para favorecer empreiteiras que mantinham contratos para grandes obras do estado e vantagens indevidas da Fetranspor que chegaram a R$ 11,4 milhões. Ele também teria recebido R$ 240 mil de empresas fornecedoras de alimentação para a Secretaria estadual de Administração Penitenciária e para o Degase. A propina era dada para que faturas em atraso fossem pagas pelos órgãos. Ele negou e disse que foram o ex-presidente do TCE Jonas Lopes e seu filho, Jonas Lopes Neto, quem tentaram receber dinheiro das empresas.