O Globo, n. 31574, 17/01/2020. Mundo, p. 21

Munição para o impeachment



No mesmo dia em que o Senado dos Estados Unidos deu início formal ao processo de impeachment do presidente Donald Trump — apenas a terceira vez em que tal evento ocorre na História do país — dois novos episódios reforçaram as acusações contra o republicano, que é acusado de abuso de poder e obstrução do Congresso.

Uma das figuras centrais no imbróglio que levou à abertura do processo de impeachment disse que Trump tinha total conhecimento do que estava acontecendo na campanha de pressão contra a Ucrânia. Lev Parnas referia-se ao plano implementado por Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York e advogado pessoal de Trump, para que Kiev investigasse o ex-vice-presidente Joe Biden, seu potencial rival nas eleições deste ano.

— O presidente Trump sabia exatamente o que estava acontecendo. Ele tinha conhecimento de todos os meus passos — disse Parnas, que é empresário na Flórida, ao canal MSNBC.

— Eu não faria nada sem o aval de Rudy Giuliani ou do presidente.

Retenção de verbas ilegal

As entrevistas de Parnas — ele também falou ao jornal New York Times — foram divulgadas pouco antes de o Senado abrir formalmente o julgamento de Trump, com a leitura das duas acusações formuladas pela Câmara dos Deputados contra ele. O presidente é acusado de abuso de poder por vincular as investigações contra Biden à liberação de um pacote de ajuda à Ucrânia de US$ 391 milhões e à possibilidade de uma visita do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, à Casa Branca. A outra acusação, de obstrução do Congresso, deve-se às manobras de Trump para evitar depoimentos de funcionários do governo e impedir a entrega de documentos pedidos pelas comissões de investigação da Câmara.

Além das declarações de Parnas, ontem o Escritório de Auditoria do Governo (GAO, na sigla em inglês), agência do Legislativo que supervisiona o Executivo, disse que a retenção da ajuda à Ucrânia foi ilegal. Segundo o escritório, o presidente não podere ter verbas aprovadas pelos legisladores sema permissão deles.

Uma das grandes disputas entre a oposição democrata, que tem maioria na Câmara, e os republicanos, que controlam o Senado, é em torno da convocação de novas testemunhas para depor no julgamento, além das que já testemunharam no inquérito legislativo realizado pelos deputados. Para os democratas, ter mais gente depondo é fundamental para tentar provocar dissidências entre os senadores republicanos, até agora unidos em torno de Trump. Para afastar o presidente, são necessários 67 votos, e os republicanos detêm 53 das cem cadeiras do Senado,contra 47 dos democratas e aliados independentes.

As revelações de Parnas e a conclusão do GAO provavelmente serão utilizadas pelos democratas para pressionar os republicanos a convocar essas novas testemunhas, incluindo o próprio empresário e o ex-assessor de Segurança Nacional John Bolton. Segundo Parnas,Bolton sabia da campanha de pressão contra o governo ucraniano.

Intermediário com Kiev

Amigo de Giuliani há anos, Parnas agiu como intermediário entre o governo americano e promotores ucranianos, que foram pressionados a encontrar provas de que um filho de Biden, Hunter, teria cometido ilegalidades quando atuou no conselho de uma empresa ucraniana de gás, a Burisma, na época em que o pai era vice presidente de Barack Obama.

No Senado, os sete deputados democratas que atuarão como promotores no julgamento foram à Casa, em momento solene. O democrata Adam Schiff, da Califórnia, presidente da Comissão de Inteligência, leu as acusações.

— Assim, o presidente Trump merece impeachment e julgamento, a destituição do cargo e a desqualificação para manter e desfrutar de qualquer cargo de honra, confiança ou lucro sob os Estados Unidos — disse Schiff ao concluir a leitura.

Mais tarde, o presidente da Suprema Corte, John Roberts, que presidirá o julgamento no Senado, jurou imparcialidade e tomou o juramento dos senadores. Em seguida, a Casa votou, por unanimidade, para notificar Trump de seu julgamento e das acusações contra ele. A convocação exige que ele responda por escrito até sábado. Em reação, Trump tuitou em maiúsculas: “Acabei de sofrer impeachment por causa de um telefonema perfeito”, uma referência à ligação entre ele e Zelensky que deu início a todo o escândalo, em meados do ano passado.

Após a sessão, o Senado entrou em recesso até terça feira, quando será retomado o julgamento.

“Trump merece impeachment e julgamento, a destituição do cargo e a desqualificação para manter e desfrutar de qualquer cargo de honra, confiança ou lucro sob os _ EUA” Adam Schiff, deputado que será um dos promotores no Senado