O Globo, n. 31574, 17/01/2020. Mundo, p. 22

Brasileiros em Portugal batem recorde e atingem 151 mil

Gian Amato


O número de brasileiros residentes em Portugal aumentou 43% em 2019 e chegou ao recorde de 150.864. Em 2018 eram 105.423, 23% a mais que em relação a 2017. Nos últimos 12 meses, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) concedeu um terço das novas autorizações a pessoas do Brasil, que segue como a maior comunidade estrangeira. Os números foram divulgados pelo diário Público.

Os brasileiros imigrantes nesta nova onda têm um perfil profissional extremamente qualificado. Deixam empregos no Brasil em busca de maior qualidade de vida, chegam em família e, por vezes, se submetem a receber no recomeço um salário menor em troca de segurança.

Busca de mais bem-estar

O casal de publicitários Caroline Caracas e Luiz Henrique Coutinho deixou o mercado carioca, onde atuou por mais de uma década, em nome de liberdade profissional, melhor educação para as duas filhas e possibilidade de viajar pela Europa em família. Obtiveram o visto de residência D7, para quem consegue comprovar renda, e mudaram para o país em fevereiro de 2019.

— O mercado de publicidade no Rio de Janeiro estava muito ruim. Eu comecei minha própria empresa em 2014 já pensando na emigração como projeto de vida, sem depender de funcionários ou do posicionamento geográfico — contou Caracas.

A partir de Portugal, onde vive na Grande Lisboa, ela administra a empresa de marketing digital que leva seu nome. Ela dá consultorias de empreendedorismo na internet e realiza palestras online.

— Minha pretensão profissional não foi buscar emprego em Portugal, mas ter uma outra experiência de vida e mais bem-estar. Trabalhamos de casa, enquanto minhas filhas estão na escola, de onde voltam a pé e sozinhas, o que jamais fariam no Rio —conta.

Apesar de uma maior imigração qualificada ser registrada nos últimos anos, há perfis diversos de residentes. Entre eles, pessoas que chegam a Portugal como turistas, sem visto de residência garantido, e tentam trabalho onde há falta de mão de obra em troca da promessa de documentos para garantirem a regularização. Chegam a trabalhar de maneira ilegal até que consigam oficializar a permanência.

Uma das classes de profissionais que mais aumentaram foi a dos médicos brasileiros. O número dobrou desde que a Ordem dos Médicos de Portugal passou a classificar os novos inscritos por país, em 2003. Eram 388 naquele ano e estão, até agora, em 777, aumento de 100,2%.

É um movimento planejado para tentar ocupar as vagas abertas pelos médicos portugueses que deixam o país em busca de melhores condições e salários. E não são apenas brasileiros nessa diáspora profissional: Portugal tem agora o maior número de médicos estrangeiros no Sistema Nacional de Saúde (SNS), com cerca de 2 mil —metade do efetivo. A pediatra Márcia Dornelles, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), é uma delas. Aos 41 anos, pediu licença de três anos para fazer mestrado e obter a licença para exercer a medicina em Portugal. No último dia 10, Dornelles, que se mudou com a família para Lisboa, cumpriu a terceira etapa de equivalência de diploma na Universidade de Lisboa, requisito para trabalhar na área.

—Tive que voltar a estudar desde a medicina básica. Fui bem no exame e acredito que este ano ainda consiga trabalhar como médica por aqui. No setor público, o salário básico fica entre €2 mile € 2,3 mil. Muitos médicos vêm buscando se aprimorar e fugir da violência.

— Fui assaltada à mão armada em frente ao Inca, na Praça Cruz Vermelha, no Centro do Rio, às 9h. Foi assustador. Depois, a violência no Leme, onde morava, com balas perdidas, bombas e tiros devido ao esfacelamento das UPPs disparou o gatilho de sair do Brasil. Comecei a ter medo de viver no Rio—conta Dornelles.

Agressões a médicos

Ao chegar a Portugal, ela descobriu que o SNS do país também tem seus problemas. Mais de mil médicos foram agredidos no trabalho em 2019 — o sistema vive uma crise de falta de mão de obra aliada ao aumento de consultas. O governo teve de criar um gabinete de segurança na saúde para tentar conter a violência.

— Não tinha noção dessas crises todas. Mas o nível é melhor, mesmo com tudo isso — declarou Dornelles, que utiliza o SNS para tratar da saúde da sua família.

Com 580 mil imigrantes, Portugal, pela primeira vez na sua História, vê a quantidade de imigrantes ultrapassar a barreira do meio milhão.