O Globo, n. 31603, 15/02/2020. País, p. 8

Em queda

Aline Ribeiro
Marco Grillo


O país registrou queda de 19% no número de pessoas que sofreram morte violenta em 2019, na comparação com o ano anterior, de acordo com índice criado pelo site G1 tendo como base dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal. Foram 41.635 vítimas de homicídios dolosos (incluindo feminicídio), latrocínio e lesões corporais seguidas de morte, no segundo ano consecutivo de queda. O número de presos aumentou 3,89%.

O total de mortes em crimes violentos registrados no Brasil caiu 19% no ano passado em comparação a 2018. O número é o menor da série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que coleta os dados desde 2007. Durante 2019, foram 41.635 assassinatos, diante de 51.558 de 2018. É o que mostra o índice nacional criado pelo site G1, com base em informações oficiais de 26 estados e Distrito Federal.

Como mortes violentas, somam-se as vítimas de homicídios dolosos (incluindo feminicídios), latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. A queda de 2019 é parte de uma tendência que vem sendo notada desde 2018.

A redução das mortes violentas no último trimestre, segundo o índice, foi menor do que a do restante do ano, de 11,8%. Nove estados registraram alta nos assassinatos de outubro a dezembro: Santa Catarina, Rondônia, Bahia, Sergipe, Espírito Santo, Amazonas, Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo.

De acordo com a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, foram 24 meses de redução depois de um crescimento atípico entre 2016 e 2017. Há quedas de duas naturezas: em estados que já vinham apresentando uma redução consistente, com políticas públicas voltadas à população mais vulnerável, como Espírito Santo, São Paulo, Paraíba, Distrito Federal e Minas Gerais; e naqueles mais suscetíveis às dinâmicas dos mercados ilícitos, em que qualquer desarranjo entre facções resulta em matança, como Ceará, Rio Grande do Norte e Acre.

— Só no Ceará a redução foi de 50%. Isso é exógeno, é uma variação muito grande de um ano para outro. Isso não quer dizer que esses estados não tenham política pública. Mas que a ação do crime organizado tem sido muito mais potente que essas políticas — afirma Bueno. Para o pesquisador Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), a queda também é atribuída ao monitoramento e controle dos chefes de facções presos por parte dos estados:

— Existe hoje uma possibilidade dentro dos sistemas prisionais de pressionar os chefes das facções. A absoluta maioria está presa. Caso eles tomem decisões ou ordenem matanças, como vinha acontecendo, eles podem ser transferidos para presídios federais, que têm normas mais rigorosas. O índice do G1 compila os dados mês a mês e faz parte do Monitor da Violência, uma parceria com NEV-USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os novos dados mostram que todos os estados apresentaram redução de assassinatos em 2019. Segundo o levantamento, dois tiveram uma queda superior a 30%: Ceará e Roraima.

Samira Bueno ressalta que o levantamento não inclui as mortes por intervenções policiais, em função da dificuldade de obter números em tempo real e de forma sistemática com os governos estaduais. O total de mortes violentas, portanto, deve ser maior.

Mais presos

Outro dado importante sobre segurança pública, que tem impacto nos índices de violência, foi divulgado ontem. O Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que o número de presos no país chegou a 773.151. O dado é referente a junho de 2019 e leva em consideração o total de detidos em penitenciárias e outras carceragens, como delegacias.

Na comparação com dezembro de 2018, quando havia 744.216 detidos, o crescimento foi de 3,89%. Levando-se em consideração apenas aqueles que estão em presídios, são 758.676 detentos. O número de presos provisórios, ou seja, sem condenação, é de 253.863, o que corresponde a 33% do total. Há 461.026 vagas no sistema, o que representa um déficit de 312.125, um aumento de 7,8% em relação ao período anterior.

— A questão da superlotação no Brasil é um problema histórico. O foco do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) é a abertura de vagas, a retomada de controle (das cadeias) e que preso trabalhe — explicou o diretor-geral do Depen, Fabiano Bordignon.

Segundo Bordignon, mais de 19 mil vagas foram abertas em penitenciárias em 2019 — o número diz respeito ao ano passado inteiro, enquanto os dados de déficit tratam de junho. O objetivo é abrir mais 20 mil este ano e que, até o fim de 2022, haja mais cem mil vagas em presídios. Bordignon reconhece que a meta é "difícil" e "ousada".

De acordo com o site Prison Studies, que reúne dados do sistema carcerário no mundo todo, o Brasil tem a terceira população carcerária, em números absolutos, atrás de Estados Unidos e China. Em termos relativos, levando-se em conta a taxa de presos por cem mil habitantes, o Brasil está na 23ª posição. O número relativo foi citado pelo diretor do Depen ao dizer que não há excesso de detentos no país.

Ataques em Vitória

No dia em que foi divulgada a redução de mortes em crimes violentos, Vitória (ES) enfrentou a ação de criminosos, que levaram pânico à população. Carros foram depredados, um ônibus foi queimado e tiros foram disparados em avenidas da Zona Sul da capital. O comércio foi fechado.

Segundo o secretário estadual de Segurança Pública, Roberto Sá, sete pessoas foram presas. Os ataques podem ter sido motivados pela morte de um jovem de 17 anos em um confronto entre policiais e criminosos no Complexo da Penha.

Moro critica Ibaneis por pedir transferência de Marcola do DF

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, criticou ontem o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que Marcos Camacho, o Marcola, um dos líderes de uma facção criminosa de São Paulo, seja transferido do presídio federal de Brasília. De acordo com Moro, para quem o governador tem feito as reclamações por "razões políticas", a atitude de Ibaneis não é a "mais responsável".

Desde o início do ano passado, quando Marcola foi transferido, o governador do Distrito Federal tem se queixado. Na última quarta-feira, Ibaneis levou o assunto ao Supremo. No fim de dezembro, o Exército chegou a reforçar a segurança no entorno do presídio depois de surgir uma informação sobre um suposto plano de fuga de Marcola. Para o ministro da Justiça, não há risco para a população do DF.

— Não existe nenhum risco que possa justificar qualquer temor da população. Até se lamenta que esse tema seja trazido tantas vezes pelo governador, gerando a percepção equivocada de que haja alguma insegurança. Não penso que é a atitude mais responsável — criticou o ministro durante o lançamento dos dados do Infopen 2019.

Moro afirmou que não há registros de rebeliões em nenhum presídio federal, tampouco da entrada de celulares nas unidades. Ele afirmou ainda que o regime dentro dos presídios é de "absoluto rigor".

— Única pessoa que tem reclamado sobre essa permanência é o governador do Distrito Federal, a meu ver mais por razões políticas do que por razões concretas. Não vi nenhuma reverberação dessa reclamação na sociedade do Distrito Federal — afirmou ontem o ministro da Justiça.

O episódio é mais um capítulo do desconforto entre o ministro e o governo do DF. No mês passado, o secretário de Segurança do DF, Anderson Torres, foi um dos mais ferrenhos defensores da recriação do Ministério da Segurança Pública, deixando Moro só com a Justiça. Procurado, o governador Ibaneis Rocha não comentou as críticas de Moro.

Além de Brasília, há presídios federais em Porto Velho, Campo Grande, Catanduvas (PR) e Mossoró (RN). Há 616 detentos no sistema federal, que recebe os detentos tidos como mais perigosos. 

"Não existe nenhum risco que possa justificar qualquer temor da população. Até se lamenta que esse tema seja trazido tantas vezes pelo governador. Não penso que é a atitude mais responsável" — Sergio Moro, ministro da Justiça.