O Globo, n. 31593, 05/02/2020. País, p. 8

Chefe do Coaf diz que havia ‘desconhecimento’ sobre órgão
Marco Grillo


Cinco meses depois de assumir o cargo, em meio a uma crise com Judiciário e Congresso, o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), Ricardo Liào, avalia que havia um “desconhecimento” sobre a atuação do órgão de controle. As resistências levaram a um 2019 atípico, em que a troca de informações com instituições como Ministério Público e Polícia Federal ficou aquém dos anos anteriores, consequência de uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que impediu de meados de julho ao início de dezembro o compartilhamento de dados sem autorização prévia da Justiça.

A liminar, concedida pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, foi criticada pelo então presidente do Coaf, Roberto Leonel. As críticas não caíram bem, a reação nos meios político e jurídico fez com que o ministro da Economia, Paulo Guedes, citasse uma “crise institucional”, e Leonel foi exonerado. Com a reversão da decisão em plenário, fato comemorado no Coaf, a expectativa é que o volume de relatórios — que listam transações financeiras com indícios de lavagem de dinheiro — retorne aos patamares anteriores à liminar.

— Naquela oportunidade (da demissão de Leonel), havia um desconhecimento sobre a atuação do Coaf na produção de inteligência financeira, o que levou ou induziu vários setores da sociedade a se manifestarem de forma imprecisa sobre o assunto. Após o julgamento do STF (em dezembro), ficou claro o escopo de atuação do Coaf — disse Liào ao GLOBO, por e-mail.

O período turbulento provocou também uma série de mudanças administrativas: o órgão de controle começou o ano passado na alçada do Ministério da Justiça e Segurança Pública; meses depois, voltou ao Ministério da Economia; por fim, a estrutura foi para o Banco Central. Em meio aos debates no Congresso, Liào chegou a dizer que o Coaf não “olhava o extrato bancário de ninguém”.

— Usei a expressão com o propósito de esclarecer uma distorção de percepção que havia, naquele momento, por parte da sociedade (cidadãos comuns, parlamentares, algumas autoridades públicas, inclusive autoridades do poder Judiciário), de que o Coaf, supostamente, tivesse uma atuação de caráter investigativo. O Coaf recebe, examina e identifica as ocorrências suspeitas de atividade ilícitas e também comunica às autoridades competentes nas situações em que conclua pela existência de crimes de lavagem de dinheiro, de fundados indícios de sua prática ou de qualquer outro ilícito — afirmou Liào.

O Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento ao Terrorismo (Gafi/FATF) começa neste ano uma avaliação sobre o Brasil, que já estava prevista. O funcionamento do Coaf será um dos pontos analisados.

— O que se considera na avaliação desse item é se o país tem uma unidade e que esta funciona efetivamente com autonomia operacional. No caso do Coaf, essa autonomia sempre existiu desde sua criação, e isso foi confirmado pelo Gafi em avaliações anteriores. Mantida essa autonomia, não vemos como possa haver prejuízo ao processo de avaliação nesse particular — destacou Liào.