O Globo, n. 31594, 06/02/2020. País, p. 10

Projeto prevê veto indígena apenas para garimpos

Daniel Gullino
Gustavo Maia
Leandro Prazeres


O presidente Jair Bolsonaro apresentou ontem durante cerimônia para celebrar os 400 dias de seu governo um projeto para regulamentar a mineração, a geração de energia elétrica e a exploração de petróleo e gás natural em terras indígenas. Conforme o Globo antecipou em janeiro, a proposta prevê que os indígenas serão consultados antes da realização de um empreendimento em suas terras, mas só terão poder de veto sobre a atividade de garimpo.

Uma das promessas de campanha de Bolsonaro, o projeto regulamenta o artigo 231 da Constituição, que reconhece os direitos dos indígenas sobre a área e prevê que “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na formada lei ”. Apesar de prevista desde 1988, a regulamentação nunca foi feita. O governo sustenta que o projeto vai dar “liberdade” aos índios.

— Nós teremos a partir de agora a autonomia dos povos indígenas e sua liberdade de escolha — afirmou na cerimônia o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

Em seu discurso, Bolsonaro disse esperar críticas de ambientalistas e afirmou que, se pudesse, os confinaria na Amazônia.

— Ah, esse pessoal do meio ambiente, né? Se um dia eu puder, eu confino-os na Amazônia, já que eles gostam tanto de meio ambiente, e deixem de atrapalhar os amazônidas aqui de dentro das áreas urbanas.

O debate sobre o poder de veto dos indígenas permeou toda a discussão da elaboração do projeto. Optou-se por deixar essa possibilidade em relação ao garimpo para minimizar as críticas. O governo afirma, porém, que mesmo nos outros empreendimentos o ideal é buscar consenso, e que dificilmente algo efetivo irá adiante sem acordo.

— Com relação às outras atividades, exploração de potencial hidrelétrico e petróleo e gás, eles vão ter que ser ouvidos e obviamente vai negociar-se o consenso. Vai ser muito difícil fazer o empreendimento sem obter o consenso das comunidades — afirmou o chefe da assessoria especial de acompanhamento de políticas, estratégias e desempenho setoriais do Ministério de Minas e Energia, Roberto Klein.

Já a subchefe de articulação e monitoramento da Casa Civil, Verônica Sanches, destacou que em áreas urbanas os cidadãos não têm poder de veto contra empreendimentos:

— Importante lembrar que nenhum cidadão em nenhuma circunstância tem poder de veto. Se você está em uma cidade e a prefeitura decide duplicar aruaque passa na sua casa, provavelmente você tem a sua propriedade indenizada.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já afirmou no ano passado que não daria andamento ao projeto que era elaborado pelo governo. Ele sustenta que primeiro seria preciso coibir o garimpo ilegal, antes de debater o tema. Questionado ontem pelo GLOBO, Maia não respondeu.

Convenção internacional

Em 2004, o Brasil promulgou a convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata sobre os direitos das populações indígenas. A partir deste momento, ela passou a ter força de lei.

A convenção prevê que as comunidades afetadas por projetos de desenvolvimento ou de infraestrutura precisam ser consultadas antes das suas implementações.

Apesar de a convenção não ser enfática ao dizer que os indígenas devem ter poder de veto em relação aos projetos que afetem suas áreas, ela diz em seu artigo 7º que os índios devem ter “o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural”.