O Globo, n. 31602, 14/02/2020. País, p. 8

Bolsonaro e os generais: guinada militar no Planalto

Gustavo Maia
Naira Trindade
Thais Arbex
Daniel Gullino


A escolha do general Walter Souza Braga Netto para chefiar a Casa Civil marca um momento de guinada nas relações internas do Palácio do Planalto e na atuação do governo de Jair Bolsonaro. Chefe do Estado-Maior do Exército, Braga Netto foi incorporado à equipe por indicação dos também generais Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Houve aval ainda do comando das Forças Armadas. Como Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral, é major da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal, todos os ministros que despacham no Planalto a partir de agora vieram da caserna.

A relação de confiança mútua entre os militares é um dos ativos da nova composição no Planalto. Ramos afirmou ao GLOBO ter boa relação com Onyx Lorenzoni, que deixa a Casa Civil para ir para a Cidadania no lugar de Osmar Terra, que retornará à Câmara dos Deputados. O ministro da Secretaria de Governo seguirá à frente da articulação política com o Congresso. Ao falar do novo integrante do Planalto, Ramos ressalta a proximidade com Braga Netto, a quem conhece desde 1976 e com quem já dividiu missões no Exército.

— Olha, eu vou dar um exemplo que eu tenho orgulho muito grande. Eu subi morro (em operação do Exército no Rio), não vou dizer tomando tiro, em situações muito tensas, com o Braga Netto do meu lado. Eu dou as costas para ele, ele dá as costas para mim. Confiança total e irrestrita — afirmou o ministro da Secretaria de Governo.

Braga Netto chega ao Planalto com a função de coordenar a Esplanada dos Ministérios, depois de uma série de críticas à atuação de Onyx. A aposta é que o militar leva ao governo a experiência de quem chefiava o Estado-Maior do Exército desde março de 2019. Braga Netto já tinha a responsabilidade de acompanhar os departamentos da Força e fazer a gestão administrativa — função primordial para o chefe da Casa Civil.

Com as duas mudanças confirmadas ontem, Bolsonaro não deve fazer mais trocas na equipe ministerial, segundo informou Ramos.

Os demais ministros do Planalto não devem ter suas funções alteradas. Augusto Heleno é o responsável pela segurança da Presidência. Jorge Oliveira tem o controle do Diário Oficial com a subchefia de Assuntos Jurídicos. O titular da Secretaria de Governo afirma que o novo perfil da equipe procura deixar o Planalto com uma característica menos política e mais técnica:

— A gente (militares) tem a característica de ser muito quadradinho, mais cartesiano. E é o que o presidente quer [...] O político tem que pensar em política.

A escolha de Braga Netto

Bolsonaro só oficializou a ida de Braga Netto para o posto depois de ouvir o comandante do Exército, Edson Pujol, e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Na manhã de ontem, horas antes de confirmar, pelas redes sociais, que o militar seria o substituto de Onyx, o presidente recebeu os militares no Planalto. De acordo com a agenda oficial divulgada pela Presidência, Onyx também participou do encontro no gabinete presidencial.

Segundo aliados, o gesto foi em respeito à hierarquia militar. Bolsonaro queria saber se a caserna chancelaria sua escolha. Como resposta, ouviu que Braga Netto estava à disposição.

Chefe do Estado-Maior, o novo ministro foi sondado por Ramos sobre a possibilidade de assumir a chefia da Casa Civil há dez dias. Onyx Lorenzoni havia acabado de antecipar sua volta das férias para apagar o incêndio provocado pelo seu então número dois, José Vicente Santini, que usou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para fazer uma viagem a Zurique e à Índia. Como retaliação, Bolsonaro tirou o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) da Casa Civil e o entregou à equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes.

O novo ministro terá carta branca para fazer mudanças e nomeações na equipe da Casa Civil. A avaliação no Planalto é que, diante da liberdade de Braga Netto na pasta, os atuais servidores estão preocupados.

Ao comentar as últimas mudanças que fez em sua equipe numa transmissão pelas redes sociais, ontem, o presidente Bolsonaro tratou as trocas como uma “pequena reforma ministerial”. O movimento se iniciou na semana passada com a substituição de Gustavo Canuto por Rogério Marinho no ministério do Desenvolvimento Regional. Bolsonaro, até então, evitava o termo.

O presidente destacou, em outra transmissão ao vivo, o fato de agora todos os principais cargos no Planalto serem ocupados por pessoas de origem militar.

— Trocamos hoje dois ministros. Ficou completamente militarizado o meu terceiro andar. São quatro generais ministros agora. Nada contra os civis. Tem civis excepcionais trabalhando (comigo) — disse o presidente, elogiando ainda Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), André Luiz Mendonça (Advocacia-Geral da União) e Ricardo Salles (Meio Ambiente).

Além dos seis ministros que tem origem nas Forças Armadas e de Oliveira, o governo tem ainda outros dois integrantes do primeiro escalão que tiveram parte de suas carreiras desenvolvidas como militares: Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Wagner Rosário (CGU).

Despedidas

Em vídeo publicado em suas redes sociais, Onyx afirmou que recebeu uma “nova missão” e que irá cumpri-la “com mesmo zelo, com a mesma dedicação e com o mesmo empenho”.

— Ali em 13 de novembro de 2018 o presidente me deu uma missão que nós concluímos agora, por decisão do presidente. O time Bolsonaor é humilde, é unido e é forte. O presidente me entrega hoje uma nova missão, que eu vou cumprir com o mesmo zelo, com a mesma dedicação e com o mesmo empenho.

Em nota, Osmar Terra desejou sorte a Onyx e disse que estará “onde for mais importante” para o governo de Bolsonaro: “Eu estarei onde for mais importante para o governo e para o presidente Jair Bolsonaro. Sou deputado no sexto mandato, com muito orgulho. Agradeço ter ajudado o Brasil e quero continuar ajudando onde estiver”.

A atuação do ministro da Cidadania vinha sendo questionada nas últimas semanas. Ele entrou em rota de colisão com a equipe econômica desde o ano passado por divergências na formulação de mudanças no programa Bolsa Família. Principal ação da pasta, o programa tem enfrentado problemas. Como o GLOBO mostrou no último dia 27, o Bolsa Família voltou a ter uma longa fila de espera, chegando a 500 mil famílias.

Terra também teve atritos com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Dentro do governo há quem afirme que o ministro da Cidadania teria tentado derrubar o colega para ocupar o seu lugar, uma vez que Terra também é medico. Os dois tiveram divergências principalmente no processo conduzido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que liberou a venda de produtos à base de cannabis sativa. Terra tinha uma posição mais radical contra a medida, enquanto Mandetta apoiou o debate.

“São quatro generais ministros agora. Nada contra os civis. Tem civis excepcionais trabalhando (comigo)” — Jair Bolsonaro, ao comentar indicação de Braga Netto.

“Eu dou as costas para ele (Braga Netto), ele dá as costas para mim. Confiança total e irrestrita” — Luiz Eduardo Ramos, sobre escolha do militar para ministério.

“O presidente me entrega hoje uma nova missão, que eu vou cumprir com o mesmo zelo, com a mesma dedicação” — Onyx Lorenzoni, ao falar sobre ida para pasta da Cidadania.