Correio Braziliense, n. 21425, 13/11/2021. Brasil, p. 6

Devastação continua alta



O Brasil continua a registrar recordes em seus índices de desmatamento na Amazônia. Prova disso são os dados de outubro, divulgados ontem, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério de Ciência e Tecnologia: a área de alertas de desmatamento foi a maior para aquele mês nos últimos sete anos. A conservação do bioma foi destaque na abertura da COP26, que se realiza em Glasgow (Escócia), e é considerada chave para evitar uma catástrofe climática.

Ao todo, foram 877 km² de devastação da floresta na Amazônia, um aumento de 5% em relação a outubro de 2020 e o maior índice no mês em toda a série histórica do Deter, sistema de alertas do Inpe, iniciado em 2016. O governo federal ainda não divulgou os dados consolidados do desmatamento neste ano — o sistema Prodes —, que também é medido pelo Inpe, de agosto de um ano a julho do ano seguinte. Tradicionalmente, essa informação é tornada pública no começo de novembro.

Na COP26, o Brasil assinou acordos multilaterais contra o devastação da floresta, prometeu zerar o desmatamento ilegal até 2028 e reduzir as emissões de metano. Na prática, porém, os dados mostram uma realidade diferente. “As emissões acontecem no chão da floresta, não nas plenárias de Glasgow. E o chão da floresta está nos dizendo que este governo não tem a menor intenção de cumprir os compromissos que assinou na COP26”, criticou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.

Ritmo acelerado

Relatório divulgado por um grupo de cerca de 200 cientistas mostra que a Amazônia está perto de um ponto irreversível e perde, em ritmo acelerado, sua capacidade de regeneração. Os pesquisadores, que lançaram o documento na Cúpula do Clima, alertam que o bioma pode se tornar deserto se não foram tomadas medidas efetivas.

“O dado do Deter é um lembrete de que o Brasil que circula pelos corredores e pelas salas da COP, em Glasgow, é o mesmo onde grileiros, madeireiros ilegais e garimpeiros têm licença do governo para destruir a floresta”, afirma Astrini. Os alertas de desmatamento em outubro se concentraram no Pará, com 501 km² (57% do total); no Amazonas, com 116 km² (13% do total); e no Mato Grosso, com 105 km² (12% do total).

A diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, chama a atenção para o fato de que o país seguiu com o mesmo patamar alto de desmatamento na Amazônia em outubro, apesar de haver mais chuvas do que era esperado na região, por causa do fenômeno La Niña. “Nas últimas duas semanas, vimos o governo brasileiro dizer na COP26 que tem o desmatamento sob controle. Mas o Brasil real é o que os satélites mostram. Para cumprir as promessas feitas na Conferência do Clima, o governo precisa fazer mais do que fala. É possível mudar o quadro, mas é preciso agir imediatamente”, cobrou.

Conforme o Inpe divulgou ontem, a Amazônia Legal teve uma área de 877 km² sob alerta de desmatamento, o que equivale a uma alta de 5% em relação a 2020 e recorde para o mês na série histórica. Nos últimos meses, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, vinha enfatizando a redução do desmatamento na média trimestral de agosto e setembro, e atribuindo a melhora dos dados a ações conjuntas de vários ministérios.

Depois de um desgaste de seu antecessor, Ricardo Salles com o Inpe, Leite vem tentando mostrar aproximação com o instituto.

Panorama diferente

No discurso que realizou na COP26, o ministro Joaquim Leite apresentou um panorama bem diferente daquele confirmado, ontem, pelo Inpe. Além de afirmar que o desmatamento ilegal já estava sendo combatido com aumento de recursos e de patrulhamento, ele não deu maiores detalhes dos mais recentes dados sobre desmatamento, queimadas e emissões de carbono. E ainda se comprometeu a acabar com o desmatamento ilegal até 2028.

Segundo Leite, as etapas para cumprir o objetivo de redução da devastação no bioma serão: redução de 15% ao ano até 2024; redução de 40% ao ano em 2025 e em 2026; redução de 50% em 2027; e zerar o desmatamento ilegal em 2028.

Mas enquanto o Ministério do Meio Ambiente divulga números otimistas sobre a preservação da Amazônia e de outros biomas brasileiros, estimativas do Observatório do Clima apontam que a maior parte (46%) dos gases estufa emitidos pelo país são provenientes do desmatamento. Os dados de 2020 mostram que o Brasil continua, desde 2010, a ampliar suas emissões. No ano passado, em plena pandemia, o aumento do despejo de gases de efeito estufa, pelo país, na atmosfera, foi de 9,5%. No restante do mundo, porém, houve uma redução de cerca de 7%.

“Enquanto o governo federal tenta vender o Brasil como potência verde na COP, a verdade é que o desmatamento em outubro bateu mais um recorde e vem sendo impulsionado pela política anti-ambiental do presidente, do Ministério do Meio Ambiente, com apoio de parte do Congresso. O desmatamento e queimadas continuam fora de controle e a violência contra os povos indígenas e população tradicional só aumenta”, criticou Rômulo Batista, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace.