Título: Queda do presidente é questionada
Autor: Olivia Hirsch
Fonte: Jornal do Brasil, 22/04/2005, Internacional, p. A8

Estados Unidos, Espanha, União Européia e OEA discutem legimitidade da destituição de Lucio Gutiérrez pelo Congresso

As ruas de Quito começaram a voltar à normalidade ontem, um dia depois da destituição do governo do presidente Lucio Gutiérrez e da posse de seu vice, Alfredo Palacio, formalizada ontem. No entanto, uma das frases mais ouvidas na capital equatoriana era: ''Quanto tempo vai durar Palacio?''. De fato, agora que o povo acalmou, a pressão parece vir de fora.

A preocupação com a legitimidade do processo que destituiu Gutiérrez foi manifestada pela secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, pelo ministro de Relações Exteriores da Espanha, Miguel Ángel Moratinos, pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pela União Européia.

- Toda esta situação carece de suficiente clareza constitucional - afirmou Moratinos, que participa de uma reunião informal de ministros de Relações Exteriores da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), na Lituânia. - O artigo da Constituição usado pelo Congresso equatoriano para destituir o presidente Lucio Gutiérrez tem múltiplas interpretações.

Em uma votação realizada fora de sua sede, o Congresso do Equador votou pela destituição do presidente por ''abandono declarado do cargo''. Da sessão extraordinária participaram apenas 62 dos 100 deputados.

- É preciso agora haver um processo constitucional para se chegar às eleições - destacou Condoleezza Rice.

Na véspera, Rice, que está em um encontro da Otan, se reuniu com Moratinos e com os ministros de Relações Exteriores do México, da Argentina, da Colômbia e do Peru para discutir a situação no país sul-americano.

Em uma sessão extraordinária, a Organização dos Estados Americanos (OEA) decretou um recesso de 24 horas para que o Congresso equatoriano explique como ocorreu ''o abandono de cargo'' usado como justificativa para a destituição do presidente. O representante peruano, Alberto Borea, recordou que a votação que culminou com a queda de Gutiérrez foi realizada fora do Congresso, sem a participação de todos os deputados e que, naquele momento, o presidente ainda estava no palácio de governo, atuando como previa seu cargo. A organização marcou novo encontro para hoje, em Washington.

- Os Estados Unidos estão interferindo porque acabam de perder seu fantoche no país, é natural. E agora querem que a OEA, que não serve para nada, passe a funcionar para questionar a legitimidade do processo - afirmou ao JB o agricultor equatoriano Juan Valencia, que participou ativamente dos protestos e é colaborador da Rádio La Luna, de Quito, meio de comunicação oficial dos manifestantes. - Passamos a madrugada inteira na rua, homens, jovens, crianças, idosos e mulheres, foi uma conquista do movimento. O povo já não suportava Gutiérrez, havia um sentimento de rechaço absoluto em nível máximo. Não vamos permitir que nos boicotem. Tivemos uma ''democracia'' (sic) por 25 anos.

Segundo Valencia, o movimento no Equador hoje, que pede eleições e a dissolução do Congresso, não é representativo. Durante o juramento informal de Palacio perante os deputados, cerca de 300 pessoas se reuniram do lado de fora do edifício, entoando o coro de ''Vão todos embora''. O novo governante teve de sair do prédio protegido por forte escolta policial.

- São jovens que fazem parte da Democracia Popular, uma facção de um partido de esquerda. Eles ontem tentaram se mostrar como os líderes do movimento popular, batizado, de ''Movimento dos Foragidos'', mas na realidade não havia uma liderança estabelecida. Atualmente, a maioria da população apoia Palacio, é verdade que não é uma grande maioria.

Em pronunciamento em cadeia nacional, o novo presidente afirmou ontem que vai considerar a possibilidade de realizar eleições antecipadas, mas que não tem planos de dissolver o Congresso.

- Vou aceitar a vontade do povo. Minha posição [como presidente]depende deles, mas primeiro precisamos de ordem - declarou.

Palacio acrescentou que pode convocar um referendo nos próximos meses para formar uma Assembléia que redija uma nova Constituição antes da realização de eleições no país.