Título: Espanha desafia o novo pontífice
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Fonte: Jornal do Brasil, 22/04/2005, Internacional, p. A9

Os deputados espanhóis aprovaram um projeto de lei que legaliza os casamentos homossexuais no país, no que deve reacender um conflito com a Igreja Católica, que acaba de eleger um papa conservador. A galeria do Parlamento, lotada, explodiu em aplausos quando se anunciou a aprovação da proposta, encaminhada pelo governo socialista. A lei torna a Espanha o terceiro país da Europa a autorizar os casamentos homossexuais.

- É injusto ser um cidadão de segunda classe por causa do amor - disse a deputada socialista Carmen Montón. - A Espanha se une à vanguarda dos que defendem a total igualdade para gays e lésbicas.

O projeto, parte de um pacote de leis socialmente liberais, indignou a Igreja espanhola e será uma dor de cabeça para o papa Bento XVI. O ex-prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, responsável pela ortodoxia da Igreja, disse que as uniões homossexuais destroem o conceito de casamento e a identidade social européia.

A lei, aprovada por 183 a 136 votos, ainda precisa ser submetida ao Senado e a um novo turno de votação, mas isso deve ser apenas formalidade. A Suprema Corte, porém, deu parecer no qual considera a união entre gays inconstitucional, o que pode abrir uma batalha jurídica.

Só o conservador Partido Popular e um grupo nacionalista cristão da Catalunha se opuseram à lei. Eduardo Zaplana, porta-voz do partido, diz que o grupo defende direitos iguais e uniões civis para homossexuais, mas é contra que os gays possam usufruir da instituição do casamento.

Os ativistas comemoraram.

- É uma emoção - disse Antonio Poveda, do grupo Lambda. - Me caso pelo ativismo, pelo amor e pela dignidade.

Em nota, os bispos do país disseram que a nova lei ''prejudica o bem comum'' e ameaça a ordem social. Eles criticam as medidas liberais do premier José Luis Rodríguez Zapatero, que também incluem menos restrições ao aborto e a autorização para pesquisas com células-tronco de embriões humanos. As propostas agradam aos jovens, dos quais menos 20% são católicos praticantes. Zapatero, que diz ter boas relações com a Igreja, afirmou que vai respeitar as opiniões do papa.

Gaspar Llamazares, líder da coalizão Esquerda Unida, disse que a votação foi uma grande notícia.

- É um avanço importante no caráter laico do país - disse.

Na ditadura católica de Francisco Franco (1939-75), o divórcio, a homossexualidade e o aborto eram ilegais. Desde a morte dele, porém, o país adota posturas mais liberais. No ano passado, uma pesquisa mostrou que 70% dos espanhóis apóiam o casamento gay.

Em janeiro, o papa João Paulo II alertou os bispos para a ''crescente mentalidade laica na Espanha'', que poderia ''restringir a liberdade religiosa e até mesmo promover o desdém e a ignorância da religião''.