Título: Ainda no Labirinto
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 22/04/2005, Outras Opiniões, p. A11

Depois de três semanas em que os nossos sentimentos alternaram entre tristeza e alegria, voltamos ao cotidiano. Foram dias de muitas emoções. Primeiro, o longo sofrimento do Papa João Paulo II, depois, a pompa dos funerais, a comoção do mundo.

Começa o processo sucessório, quando nada se discutiu sobre a fé, a morte de Deus, anunciada por Nietzsche, dizimando corações na velha Europa. O que interessava era saber se o novo papa seria conservador ou progressista. Nem tanto se ele ajudaria a ganhar a vida eterna, mas se ele iria melhorar nosso bem estar e salário. Não era a preocupação entre o espiritual e o material, nem sobre o céu e o inferno, mas qual o partido que iria tomar o Espírito Santo. A mídia divertiu-se bastante nesse ''diadema'', como diria um importante político brasileiro.

Afinal a vida continua e surge a alegria de um novo Pontífice. A fumaça branca tão esperada e o repicar dos sinos anunciam que ''um humilde trabalhador na vinha do Senhor'' é o novo sucessor de São Pedro: habemus papam. Deus que o trouxe para essa grande missão, o ajude a ajudar esta humanidade tão carente de valores espirituais. A graça de Deus permanece. Pior se Ele, como diria Vieira, tivesse o coração dos homens e dissesse na Capela Sistina: erga omnes. ''Fora todos'', e acabasse com tudo.

Mas o meu tema não é o Papa, é o labirinto sem saída da América Latina. Nas nossas barbas, no Equador, mais um presidente é deposto em meio a um levante popular. É o mesmo cenário em que foram derrubados três presidentes e agora, derruba-se mais outro: o mesmo que derrubava os outros.

O Peru vive uma crise aguda e crônica. Na Bolívia o presidente também caiu em meio a uma convulsão de rua. Chávez, da Venezuela, derrubado, ressuscitou e, agora, cria uma novidade: a democracia fardada, e para consolidá-la compra cem mil fuzis, para uma guerra que só pode ser entre seus próprios compatriotas. No Paraguai, mesma cena: dois presidentes caíram. Na Colômbia vive-se no fio da navalha.

Na Argentina, três presidentes foram postos para fora, antes de Kirchner. O Brasil é um oásis dentro desse quadro. A nossa transição fez com que atravessássemos o desfiladeiro institucional de uma vez por todas. Enfrentamos um impeachment presidencial e elegemos um operário de esquerda sem uma só ameaça. Criamos uma sociedade democrática e não deixamos nenhuma hipoteca militar a pagar.

Mas assusta o sarampo que testemunhamos: a política das multidões anárquicas, sem controles e exercitando a possessão e a fúria dos vidros partidos e dos incêndios. É o velho labirinto da América Latina que, para decepção e tristeza nossa, mais uma vez se enrola, vai e volta e a saída não aparece.

Como se diz no Nordeste: ''A desgraça do pau verde/ É ter o pau seco ao lado/; Vem o fogo queima o seco/ Lá vai o verde queimado''.

Há alguma coisa de errado no presidencialismo em países pobres. O sistema não resiste a crises. Em vez de caírem os governos, caem os presidentes. Talvez fosse a hora de pensar num outro tipo de regime para curar a instabilidade dessas nações. Mas, como diz o brocado ''a gente só se lembra de Santa Bárbara quando vem a trovoada''.