O Globo, n. 31595, 07/02/2020. Opinião, p. 3

Na mão do Congresso

Rogério Furquim Werneck


Foi dada a largada para a maratona de aprovações de medidas econômicas que, em meio a muitas dificuldades, o governo terá de extrair do Congresso nos próximos meses, antes da mobilização dos parlamentares para as eleições municipais.

A articulação do Planalto com o Congresso continua imprudentemente precária. Tendo o ministro Onyx Lorenzoni caído em irremediável desgraça, a interface do Palácio com o Legislativo ficou a cargo do ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência e do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. E nem o general Luiz Eduardo Ramos, comandante militar do Leste até julho do ano passado, nem o major da PM do Distrito Federal Jorge Oliveira, alçado há poucos meses ao cargo graças à sua relação com a família Bolsonaro, parecem ter perfil adequado para dar conta da densa e complexa agenda de articulação com o Congresso que se vislumbra em 2020.

O presidente continua convicto de que não precisa de uma base parlamentar confiável. Desde que o país passou a ter eleições presidenciais diretas, há três décadas, nunca houve tanta desconexão entre a participação dos partidos no Ministério e o tamanho de suas bancadas na Câmara.

Nesse quadro, as apostas no avanço da agenda do governo no Congresso baseiam se, hoje, na esperança de que as deficiências da interface do Planalto com o Poder Legislativo possam ser supridas por uma articulação direta do Ministério da Economia com o Congresso, fundada nas boas relações do ministro Paulo Guedes com os presidentes da Câmara e do Senado.

Por singular que tenha sido a experiência de aprovação da reforma da Previdência, em 2019, o que agora se espera é que o “parlamentarismo branco” do primeiro ano do governo Bolsonaro — em que o Congresso ocupou com responsabilidade o vácuo deixado pelo Planalto — possa ser replicado, em 2020, para fazer avançar as reformas pendentes.

Sem base parlamentar relevante, o governo terá que se submeter aos prazos e às prioridades do Congresso. Embora Rodrigo Maia pareça inequivocamente comprometido com o avanço de boa parte da agenda legislativa do governo na área econômica, sua escala de prioridades não parece espelhar as urgências do ministro da Economia. O que, tendo em vista a exiguidade de tempo com que se debate o governo, não é uma discordância menor. Muito pelo contrário.

É compreensível que, preocupado em não explicitar divergências, Paulo Guedes esteja sendo um tanto vago sobre o que, a seu ver, deveria ser prioritário na agenda do Congresso. Salta aos olhos, contudo, que, para a continuidade do círculo virtuoso que vem ganhando força na economia, o mais urgente é a aprovação das medidas complementares de ajuste fiscal, que possam tornar mais crível a ideia de que a preservação do Teto de Gastos não exigirá uma compressão sem fim das despesas discricionárias.

Um complicador adicional é estarem tais medidas dispersas em três PECs distintas, a serem tramitadas a partir do Senado. Teria sido mais prudente uma única PEC, que abarcasse as medidas emergenciais prioritárias e contemplasse metas claras de alívio fiscal progressivo. Dessa perspectiva, é mais do que claro o contraste com a reforma da Previdência que, além de bem focada, contava com a totalização do “alívio fiscal acumulado em 10 anos” para explicitar com clareza custos de supressões e emendas desfiguradoras.

Mas, de imediato, o governo está às voltas com um problema bem mais básico. É à reforma tributária que Rodrigo Maia quer dar prioridade. Não à aprovação das medidas complementares de viabilização do Teto de Gastos. Além de não esconder sua resistência às propostas de reforma tributária que vêm sendo tramitadas no Congresso, o Ministério da Economia teme que a complexidade da sua discussão empantane o processo legislativo e acabe levando a temerária procrastinação das medidas emergenciais de ajuste fiscal. É só o começo de um jogo intrincado, no qual o governo estará na mão do Congresso. A maratona mal começou.