Título: Preocupações acerca do novo Papa
Autor: Leonardo Boff
Fonte: Jornal do Brasil, 22/04/2005, Outras Opiniões, p. A11

A elevação do cardeal Joseph Ratzinger a Papa da Igreja Católica trouxe satisfação para uns e preocupações para outros. As preocupações se prendem a dois fatores: ao estilo de governar a Igreja e atitude de base face ao mundo plural de hoje. Como Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé por mais de vinte anos e na sua homilia aos cardeais antes de entrarem em Conclave, Bento XVI deixou claro que vai continuar a linha de seu predecessor.

Se o estilo de governar for centralizador como antes, há o risco de identificação da Igreja com o Papa. Se face ao mundo plural a atitude de base for a pura e simples afirmação da ortodoxia em oposição frontal com as tendências do pluralismo cultural, a Igreja corre o risco de identificação de Roma com o mundo e assim de se transformar num reduto de conservadorismo e de mediocrização da inteligência cristã.

Se de fato prevalecer a centralização, será restingida a criatividade das Igrejas locais que precisam de liberdade para articular, face à massa sofredora dos fiéis, fé com justiça, missão social com libertação sem o que a evangelização é alienação. Agravar-se-á emigração de fiéis para outras denominações. Esta situação marca todo o Terceiro Mundo onde se encontra mais da metade de todos os católicos.

Se a atitude de confronto com a modernidade e pós-modernidade prevalecer, prevejo consequências funestas para o futuro da Igreja. Tradicionalista como é, Bento XVI deve saber que esta estratégia é profundamente desgastante para a Igreja. No passado privou os movimentos libertários dos oprimidos da colaboração dos cristãos que poderiam imprimir valores cristãos nas relações sociais emergentes, ao invés de aliená-los e infantilizá-los. Ela mesma chegou sempre atrasada em tudo, até na assinatura da Carta dos direitos humanos. Uma Igreja que se propõe voltar a modelos do passado, se imobiliza como um fóssil. Comodista, não cumpre sua missão religiosa de educar os cristãos para os novos tempos. Antes, clericaliza-os, tornando-os imaturos na fé quando não papistas infantis e aduladores como há tantos nos dias atuais.

Uma vez suscitadas, as questões não calarão até que se faça um acerto de contas. Foi feito no Concílio Vaticano II mas João Paulo II e o Cardeal Ratzinger o reinterpretaram de tal forma que significou um esvaziamento dele.

O combate aberto ao invés do diálogo, encerra além de um equívoco estratégico um erro teológico. O Vaticano II ensinou que no diálogo com as filosofias e correntes ideológicas deve-se, antes de mais nada, identificar nelas os elementos de luz e positivos, pois mesmo que venham de Marx, de Freud ou de Lyotard, se forem verdadeiros, em último termo, vêm de Deus. É ser exterminador do futuro do ecumenismo afirmar, como está no documento Dominus Jesus, do Cardeal Ratzinger que só a Igreja Católica é Igreja de Cristo e as outras não são Igrejas tendo apenas elementos eclesiais e face às religiões dizer que elas têm elementos válidos mas seus seguidores correm grave risco de perdição porque estão fora da Igreja Católica, a única religião verdadeira. Isso não é dialogar mas insultar. A cordialidade se destina a facilitar a conversão. Isso é enganoso e indigno.

Eu creio em milagres. Oxalá Bento XVI volte a ser o teólogo que apreciei e que suscitava esperança e não medo.