O Globo, n. 31595, 07/02/2020. País, p. 6

Novo delator

Bela Megale
Juliana Castro


O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin homologou o acordo de delação premiada firmado entre o ex-governador do Rio Sérgio Cabral e a Polícia Federal. O acordo, que tem cerca de 20 temas e deve permanecer sob sigilo, foi remetido à Procuradoria-Geral da República (PGR). Acompanhando a posição dos procuradores que atuam na Lava-Jato do Rio, a PGR é contrária à delação de Cabral.

O procurador-geral, Augusto Aras, vai recorrer contra a homologação da delação assim que for notificado oficialmente da decisão de Fachin, informou ontem o colunista do Globo Lauro Jardim. Aras vai argumentar que as informações apresentadas por Cabral não acrescentam praticamente nada à investigação e que os R$ 380 milhões, que o ex-governador promete devolver, já estão bloqueados pela Justiça e, portanto, seriam repassados ao Estado.

A homologação do acordo foi antecipada pelo site O Antagonista e confirmada pelo Globo. A delação não estabelece previamente benefícios penais, por isso ainda não é possível saber quando ou se Cabral sairá da prisão mesmo com a tratativa homologada. O acordo, assinado pela Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, chegou ao Supremo no início de novembro do ano passado.

Judiciário no alvo

Durante seis meses de depoimentos prestados à PF, Cabral citou dezenas de políticos beneficiários do esquema de corrupção montado em seus governos no Rio. Chamou a atenção dos investigadores uma outra frente dos seus depoimentos: o Judiciário. Cabral narra nos depoimentos sua relação com ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e com o processo de indicação deles aos seus atuais cargos. Na delação, Cabral cita três ministros do STJ, membros do Tribunal de Contas da União (TCU), ex-chefes do Ministério Público do Rio e desembargadores do estado.

O acordo se restringiu a autoridades com foro privilegiado. Grande parte dos 20 anexos da delação está relacionada a casos em que o ministro Edson Fachin é relator no STF. Com isso, ele se tornou o responsável por homologar a tratativa, e não Gilmar Mendes, que responde pelos recursos da Lava-Jato fluminense no Supremo.

Ao ser homologada, a delação de Cabral abre caminho para que sua mulher, a advogada Adriana Ancelmo, também feche um acordo com a PF. A delação não traz benefícios à exprimeira-dama, mas, desde o início das negociações, o ex-governador demonstrou preocupação em blindar a mulher. Um dos empecilhos para o Ministério Público Federal do Rio assinar um acordo com Cabral foi que ele não entregou ilícitos envolvendo Adriana. Segundo envolvidos na tratativa com a PF, desta vez, o ex-governador delatou temas relacionados à mulher.

Em manifestação apresentada anteriormente ao STF, Augusto Aras já havia afirmado ser contrário ao acordo de delação. Aras argumentou que o ex-governador ocultou informações e protegeu pessoas durante a negociação do acordo com a Lava-Jato. Também alegou que Cabral pode ser considerado o líder da organização criminosa montada no governo do Rio e, portanto, não poderia se beneficiar de um acordo de colaboração. A PGR argumentou que o acordo da PF com Cabral está fora dos requisitos legais.

Recursos liberados

Ontem, o juiz Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato do Rio, autorizou a liberação de um total de R$ 668,5 milhões pagos por delatores na operação para o governo do Rio e a União, como uma forma de restituir os valores saqueados dos cofres públicos por conta do esquema de corrupção investigado pela força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF).

O governo do Rio vai ficar com R$ 208,9 milhões e a União com R$ 459,5 milhões. A parcela a ser recebida desta vez pelo governo federal é maior porque o Estado do Rio já havia recebido, entre outras restituições, R$ 250 milhões para pagar o 13º salário dos servidores públicos estaduais. A Lava-Jato havia repassado também R$ 15 milhões para a recuperação de escolas fluminenses. Esta será a primeira vez que a União vai receber recursos da Lava-Jato como forma de restituição.

Os recursos têm origem em multas pagas por delatores da área da Saúde, alvo da operação em que foram acusados dos crimes de formação de cartel, corrupção, fraude em licitações, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Recursos oriundos de multas pagas por delatores e bens leiloados são usados para restituir os cofres públicos dos entes lesados com os atos de corrupção. No caso da Lava-Jato do Rio, a União teve prejuízo porque houve desvio em obras que contavam com recursos federais, como PAC e metrô. A liberação ocorre depois que o próprio governo do Rio fez um requerimento solicitando a transferência dos valores depositados por colaboradores em contas à disposição da Justiça. Para Aras, Cabral é o líder da organização criminosa no Rio e não poderia assinar acordo

Os números do ex-governador na lava-jato

1-30 processos criminais

Tramitam na Justiça Federal 30 processos criminais contra Cabral no âmbito na Lava-Jato do Rio, contando aqueles em que ele foi condenado e ainda não houve trânsito em julgado. O ex-governador está preso desde o dia 16 de novembro de 2016 e atualmente está no Complexo Penitenciário de Gericinó (Bangu 8), na Zona Oeste do Rio, depois de já ter ficado na Cadeia de Benfica, na Zona Norte da cidade.

2-282 anos, cinco meses e três dias de prisão

Cabral já foi condenado 13 vezes na Operação Lava-Jato. Duas sentenças foram confirmadas em segunda instância. As penas somam 282 anos, cinco meses e três dias de prisão. A maior sentença de Cabral em um único processo foi na ação da Operação Calicute, a primeira de todas, em que ele está condenado a 45 anos e 9 meses. A última condenação ocorreu em 20 de janeiro, no processo que apurou o pagamento de propina na Saúde.

3- R$ 250 milhões em contas no exterior

A mansão de Cabral em Mangaratiba foi leiloada por R$ 6,4 milhões em setembro do ano passado. Os delatores Renato e Marcelo Chebar devolveram R$ 250 milhões de Cabral que estavam no exterior. O ex-governador depois confirmou que os recursos eram mesmo seus. A Lava-Jato recuperou, ao todo, R$ 380 milhões em bens e recursos do exgovernador, valor que Cabral promete devolver no acordo de delação premiada homologado.

4- Seis secretários presos na operação

Três pessoas com vínculos familiares com Cabral foram processados pelo MPF: sua mulher, Adriana Ancelmo; sua ex-mulher Suzana Neves; e seu irmão Maurício Cabral. Além disso, seis secretários na gestão Cabral chegaram a ser presos: Luiz Fernando Pezão (vice e secretário de Obras), Régis Fichtner (Casa Civil), Sérgio Côrtes (Saúde), Wilson Carlos (Governo) e César Rubens Monteiro de Carvalho (Administração Penitenciária).