O Globo, n. 31593, 05/02/2020. Economia, p. 24

Crítica de Bolsonaro a ICMS é ‘gota d’água’ para governadores
Silvia Amorim
Bruno Rosa
Ramona Ordoñez


Além de uma resposta ao presidente Jair Bolsonaro, a carta divulgada anteontem por governadores sobre a cobrança de ICMS dos combustíveis nos estados foi um recado ao Planalto de que as relações entre governos estaduais e federal estão se desgastando. A atitude de Bolsonaro de culpar os governadores pelos altos preços dos combustíveis foi considerada pelo grupo a gota d’água em meio a outras insatisfações acumuladas em 14 meses de gestão.

No domingo, Bolsonaro escreveu em uma rede social que encaminhará ao Congresso um projeto para que o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de combustíveis, recolhido pelos estados, tenha um valor fixo por litro. Ao divulgar a proposta, o presidente responsabilizou os chefes dos executivos estaduais pelo fato de os preços não bombas, apesar da redução dos preços nas refinarias da Petrobras em janeiro.

Insatisfação crescente

Somados a esse episódio, ao menos outros três são mencionados por governadores em conversas reservadas ao desfiar queixas sobre Bolsonaro. O mais recente foi o reajuste de quase 13% do piso salarial dos professores no mês passado — o maior registrado em termos reais desde 2012, o que sobrecarregará ainda mais os cofres estaduais, a maioria deles em crise.

O esvaziamento da reforma da Previdência, empurrando para estados a responsabilidade de fazer seus próprios projetos, é outro foco de reclamação. De forma mais pontual, a demora no combate aos incêndios na Amazônia alterou os ânimos de governadores daquela região como presidente.

Helder Barbalho (MDB), do Pará, foi o primeiro no domingo a pedir aos colegas uma reação rápida à declaração de Bolsonaro. Eles começaram a trocar mensagens em um grupo que mantêm no WhatsApp sob um clima de indignação, principalmente pela forma como o presidente tratou o assunto. Alguns viram nessa atitude a intenção de constrangê-los e desgastá-los diante da população.

Uma carta aberta foi divulgada por 23 deles na segunda feira, argumentando que o debate sobre medidas para reduzir o preço dos combustíveis “deve ser feito nos fóruns institucionais adequados e com os estudos técnicos apropriados”. Uma primeira versão do texto foi elaborada pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). O texto foi alterado até chegar a uma redação de consenso, tendo o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), como responsável pela versão final.

— Causou um grande desconforto, afinal não é justo colocara culpa nos governadores. Se o governo federal quer, de fato, fazer uma redução de combustível, ele pode fazer porque tem controle dos preços nas refinarias, tem participação na Petrobras e tem impostos federais no combustível que não deveriam ali estar —disse Leite ao GLOBO.

O tema foi incluído na pauta do Fórum de Governadores, que terá uma nova reunião na semana que vem. Os governadores argumentam que o ICMS sobre os combustíveis responde por 20% do total da arrecadação do imposto nos estados, sendo a principal fonte de receita em muitos deles. Além disso, 25% do ICMS são repassados aos municípios.

Reajustes diferentes

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), um dos últimos a aderir ao manifesto, lembra que a situação fiscal dos estados é muito delicada e não contempla redução de impostos sem alternativas:

— Sempre fui favorável à redução de imposto e continuo sendo, mas a condição de muitos estados, incluindo o meu, é dramática. Não dá para fazer isso assim.

Embora gasolina e diesel tenham registrado queda em seus preços nas refinarias ao longo do mês de janeiro, o valor nas bombas só começou a cair de forma tímida na última semana do mês. A gasolina saiu da Petrobras com redução média de 7,32% no mês passado. No posto, só recuou 0,3%, para R$ 4,580 por litro, de acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP). O diesel caiu 9,76% em janeiro nas refinarias, mas na bomba só recuou 0,57%, para R$ 3,778.

Dados do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) mostram que, no ano passado, também não houve repasse integral de reajustes dos combustíveis nas refinarias provocados pelo câmbio e pelas variações da cotação internacional do petróleo. A gasolina subiu 26,4% nas refinarias em 2019, mas só teve alta média de 7,28% nos postos. No caso do diesel, enquanto a alta na refinaria a foi de 17,1%, na bomba ficou em 10,2%.

Os governadores sugerem que a União abra mão da receitas de impostos federais que incidem sobre o consumo de combustíveis. Na gasolina, os tributos federais Cide, PIS/Pasep e Cofins representam 15% do preço final. O ICMS responde por quase 29%, em média. No caso do diesel, os impostos federais somam 9%. O ICMS, 15%.

— O ICMS sobre combustíveis é extremamente relevante para todos os estados, que têm forte restrição fiscal. O governo (federal), com as declarações de Paulo Guedes (ministro da Economia), indica a necessidade de fortalecer o federalismo, e essa medida (de rever o ICMS, citada por Bolsonaro) vai na contramão dessa filosofia — disse Luiz Claudio Rodrigues, secretário de Fazenda do Estado do Rio, que atribuiu o aumento dos preços nas bombas em janeiro à maior margem de lucro de distribuidoras e rede de postos.