O Globo, n. 31593, 05/02/2020. Sociedade, p. 31

Coronavírus
Leandro Prazeres
André de Souza


Os brasileiros que serão resgatados de Wuhan, na China, deverão chegar ao Brasil neste sábado e ficarão em quarentena na base aérea de Anápolis (GO). Deverão embarcar 29 pessoas, dentre as quais sete crianças e quatro parentes chineses dos brasileiros. O anúncio foi feito ontem pelos ministros da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

O hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, será usado para atendimento médico caso algum dos resgatados manifeste algum sintoma já em solo brasileiro.

— As famílias vêm também. Cônjuges, filhos e pais chineses de brasileiros também são contemplados — disse Araújo.

Inicialmente, o Itamaraty informou que iria seguir as recomendações das autoridades locais de respeitar a quarentena imposta à região chinesa. Mas, no último domingo, após um grupo de brasileiros em Wuhan ter divulgado um vídeo com uma carta-aberta ao presidente Jair Bolsonaro e a Ernesto Araújo pedindo que fossem retirados do país, o governo recuou da decisão.

Ontem, o Itamaraty informou que a embaixada brasileira em Pequim já notificou oficialmente o governo da China sobre o plano de repatriação dos brasileiros que estão em Wuhan. E a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei do Executivo que estabelece medidas contra o coronavírus.

Segundo informações do governo chinês divulgadas na noite de ontem, a doença matou 490 pessoas na China, uma nas Filipinas e outra em Hong Kong. O número de diagnósticos confirmados ao redor do mundo passa de 23 mil. No Brasil, o Ministério da Saúde informou ontem que monitora 14 casos suspeitos. Foram descartados 16 diagnósticos.

13 condições

Dois aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) que normalmente atendem à Presidência partirão juntos ao meio-dia de hoje, e a previsão é de chegar na China na madrugada de sexta. A volta ao Brasil deve ocorrer na madrugada ou na manhã de sábado.

As aeronaves farão várias paradas, que já foram autorizadas pelos países que estão na rota. Elas partirão da base aérea de Brasília e passarão por Fortaleza, Las Palmas (nas Ilhas Canárias, da Espanha), Varsóvia (Polônia), Urumqi (China) e Wuhan. O trajeto de volta é parecido, mas, em vez de passar por Brasília, vai de Fortaleza diretamente para Anápolis, cuja base está localizada apouco mais de 15 quilômetros do centro da cidade. Inaugurada nos anos 1970, a base é uma das instalações mais importantes da FAB.

Durante o anúncio da operação, o governo reiterou que, caso algum brasileiro apresente sintomas do coronavírus ainda na China, ele não será embarcado. Por aqui, haverá três “áreas” diferentes, dependendo da condição da pessoa: branca, para quem não tem sintoma; amarela, se houver algum problema menor; e vermelha, que não será em Anápolis, mas no HFA.

Técnicos dos ministérios da Saúde e Defesa fizeram ontem uma análise sobre as condições da base para receber o grupo. Entre os critérios avaliados estão a capacidade do local de receber até 50 pessoas em quartos individuais e em regime de isolamento. Os técnicos também analisam se os funcionários correm algum risco ao frequentarem o local durante a quarentena.

O advogado Antonio Rodrigo Machado, que representa o grupo de Wuhan, disse que a embaixada do Brasil passou aos brasileiros e seus parentes um termo com 13 condições que eles devem aceitar. Entre elas estão o cumprimento dos 18 dias de quarentena, a permanência em quartos individuais (há uma exceção para membros da mesma família) sem a possibilidade de receber visitas e a submissão a exames de saúde periódicos.

Projeto de lei aprovado

Na noite de ontem, a Câmara dos Deputados aprovou simbolicamente o projeto de lei que estabelece medidas e procedimentos contra a epidemia, incluindo a quarentena de brasileiros com suspeita de contaminação.

O projeto foi elaborado após a decisão do governo de repatriar os brasileiros que estão na China e é o primeiro a ser aprovado neste ano na Câmara, que estava em recesso parlamentar. O Senado ainda precisa votar o projeto, o que está previsto para hoje, conforme garantiu seu presidente, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP).

O texto foi enviado pelo Executivo no início da tarde de ontem e estabelece que os brasileiros que serão repatriados terão de passar por exames compulsórios. Também chancela a restrição temporária de entrada e saída do país, mas sem deixar claro se essa restrição é de pessoas ou produtos.

Outro ponto é a autorização “excepcional e temporária” para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária que não tenham registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), desde que eles tenham sido registrados por autoridade sanitária estrangeira.

A proposta ressalta, contudo, que todas as medidas só poderão ser tomadas “com base em evidências científicas” e precisarão ser “limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública”. Os cidadãos afetados terão o direito de receber um tratamento gratuito e de serem informados permanentemente sobre seu estado de saúde.

Entre as mudanças propostas para o texto do Executivo, os deputados incluíram a previsão de que a lei tenha vigência apenas durante a emergência internacional da epidemia. Segundo a relatora, a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, se comprometeu a enviar um texto mais completo no futuro para regulamentar as regras em casos de outras epidemias.

A Câmara também modificou um artigo que estabelecia que os brasileiros tinham o “dever” de fazer comunicações imediatas às autoridades sanitárias. A frase foi reformulada para prever a colaboração dos cidadãos, além da retirada da obrigação de notificar “manifestação de sintomas considerados característicos do adoecimento pelo coronavírus”. Os sintomas da infecção são similares aos de uma gripe.