O Globo, n. 31601, 13/02/2020. País, p. 6

Mudanças na Esplanada: dupla troca

Gustavo Maia
Naira Trindade
Thais Arbex
Miguel Caballero


O presidente Jair Bolsonaro decidiu ontem substituir dois ministros. Onyx Lorenzoni, que havia perdido importantes atribuições como chefe da Casa Civil, aceitou assumir o Ministério da Cidadania. Ele substituirá Osmar Terra, desgastado por conflitos com colegas de Esplanada e por problemas na gestão do Bolsa Família. Para a Casa Civil, o presidente convidou o general Walter Souza Braga Netto, que liderou a intervenção federal na Segurança do Rio em 2018. As mudanças, porém, ainda não foram oficializadas.

O GLOBO antecipou ontem que Bolsonaro cogitava demitir Terra e transferir Onyx para sua pasta. Terra teve atritos com os ministros Paulo Guedes (Economia) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde) nos últimos meses. Onyx, por sua vez, teve sua atuação na Casa Civil esvaziada seguidas vezes e Bolsonaro já procurava um militar, sem pretensões políticas, para o posto. O primeiro convidado foi Augusto Heleno, atualmente no Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Ele, porém, recusou a oferta de Bolsonaro sob o argumento de que não teria perfil para o cargo.

Chegou-se então ao nome do general Braga Net to, atualmente chefe do Estado-Maior do Exército. Ele foi indicado a Bolsonaro pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e também é próximo do vice-presidente, Hamilton Mourão.

Rota de colisão

Terra, que é deputado federal pelo MDB, esteve no Palácio do Planalto para um almoço com Bolsonaro e atletas, entre eles o ex-pugilista Popó, o iatista Lars Grael, o nadador Daniel Dias e o lutador de MMA Minotauro (a secretaria de Esportes está incluída no Ministério da Cidadania). Ainda no cargo, Terra gravou um vídeo com Bolsonaro, o que foi utilizado por pessoas próximos ao ministro para argumentar que não havia risco de demissão.

— Eu sou cargo de confiança. O presidente é quem decide — disse o ministro, após o almoço.

No fim do dia, porém, Terra foi chamado novamente. Entrou e saiu do Planalto sem dar entrevistas. Bolsonaro também não falou com a imprensa após o encontro. O ministro da Cidadania entrou em rota de colisão com a equipe econômica desde o ano passado por divergências na formulação de mudanças no bolsa família. Como O GLOBO mostrou no último dia 27, o programa voltou a ter uma longa fila de espera, chegando a 500 mil famílias. Terra também teve atritos com o titular da Saúde. Ele foi acusado de tentar derrubar Mandetta do cargo após os dois terem divergências no processo conduzido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que liberou a venda de produtos à base de cannabis sativa.

Onyx, por sua vez, foi tendo seu poder seguidamente esvaziado. No mês passado, após seu então secretário executivo, José Vicente Santini, ter usado um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir à Índia, Bolsonaro retirou da Casa Civil o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI). Antes, o chefe da Casa Civil já havia pedido a articulação política, que está com Ramos, e o controle do Diário Oficial, com a transferência da Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ) para a Secretaria-Geral, pasta de Jorge Oliveira.

Mesmo assim, ele desejava permanecer no cargo e buscou aliados para sustentá-lo. Interlocutores de Bolsonaro, porém, afirmam que o presidente ofereceu apenas duas opções: aceitar a pasta da Cidadania ou deixar o governo. Ontem, Onyx sentou-se ao lado de Bolsonaro em dois eventos no Planalto: um café da manhã com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e um evento da área do meio ambiente, à tarde. Saiu de ambos sem confirmar que estava mudando de ministério (Colaboraram Daniel Gullino e Isabella Macedo).

Quem é Walter Souza Braga Netto: general ocupou cargos mais altos do Exército

Escolhido do presidente Jair Bolsonaro para a Casa Civil, o general Walter Souza Braga Netto, de 62 anos, é militar da ativa e chefe do Estado-Maior do Exército desde o ano passado. Nos últimos anos, vem ocupando altos cargos nas Forças Armadas.

Em 2018, Braga Netto foi nomeado pelo então presidente Michel Temer como interventor federal na Segurança Pública do Rio, diante da crise de violência no estado. Braga Netto assumiu o controle das polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros. O ano anterior, 2017, teve recorde de assassinatos no país. Neste mesmo ano, o general havia atuado em cenário semelhante, integrando ação do Exército durante crise de segurança derivada de uma greve das polícias no Espírito Santo.

Durante o período da intervenção federal no Rio, alguns índices de violência melhoraram — o número de homicídios começou a cair de uma forma geral no Brasil em 2018, e o Rio acompanhou a tendência. Braga Netto tem perfil discreto. Segundo pessoas próximas, mantém boa relação com o Congresso.

Antes da intervenção, o general liderava o Comando Militar do Leste (CML) desde setembro 2016, substituindo Fernando Azevedo e Silva, atual ministro da Defesa. Braga Netto também foi adido de Defesa na Polônia e, como oficial-general, foi adido Militar do Exército junto à Embaixada dos Estados Unidos.

Natural de Belo Horizonte, o militar está nas Forças Armadas há 45 anos e é general de quatro estrelas, posto máximo da carreira.

Analítico: Aceno do presidente a militares dependerá das atribuições da Casa Civil

Precedido pela entrega ao vice-presidente Hamilton Mourão do comando do Conselho da Amazônia, o convite ao general Walter Braga Netto para assumir a Casa Civil reforça uma inflexão de Jair Bolsonaro aos militares. Ainda é preciso esperar sinais de que a mudança terá efeito prático, para além de passar a imagem da reaproximação com as Forças Armadas.

Antes de perder a caneta de chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni foi desprovido da tinta. Seu cargo perdeu em sequência as principais atribuições: a articulação política com o Congresso, o comando do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e a Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ) da Presidência. Políticos diziam que ao ministro restaram apenas a cadeira e a mesa. Se o gabinete se mantiver assim com Braga Netto, sua escolha valerá apenas por ela mesma e sua repercussão, sem maiores consequências.

Braga Netto comandou a intervenção federal no Rio em 2018. Fez um trabalho considerado bem-sucedido por boa parte dos especialistas e dos servidores estaduais da área. Indicadores importantes de violência — à exceção da letalidade policial — melhoraram, e houve legado físico devido ao maior investimento federal no estado. Atual comandante do Estado-Maior do Exército, é um nome que ajuda a reconstruir pontes entre o presidente e as Forças.

Ex-militar com histórico de insubordinação, Bolsonaro superou a resistência no alto comando das Forças Armadas com seu desempenho eleitoral. Passada a campanha, a expectativa de que o núcleo militar pudesse de alguma forma tutelar arroubos do futuro presidente não se confirmou. O ano de 2019 foi marcado pelo distanciamento entre o presidente e os generais, vários deles demitidos do governo. A principal queda foi a de Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-secretário de Governo e apontado como o militar com maior currículo e mais admiração interna no Exército, ferida que Bolsonaro parece tentar fechar.