O Globo, n. 31601, 13/02/2020. País, p. 7

Maia: ataques à imprensa de caráter sexual são ‘baixaria’

Amanda Almeida
Bernardo Mello


O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ontem que dar falso testemunho em “comissão do Congresso é crime”. Na terça-feira, Hans River do Nascimento, ex-funcionário da Yacows — agência que faz envios múltiplos de conteúdo via WhatsApp — depôs na CPI das Fake News e fez ataques à jornalista Patrícia Campos Mello, da “Folha de S. Paulo”. As declarações foram desmentidas pelo jornal.

Em rede social, sem citar o caso, Maia afirmou que “atacar a imprensa com acusações falsas de caráter sexual é baixaria com características de difamação”. Ele defendeu o “rigor da lei”.

A deputada Lídice da Mata (PSB-BA), relatora da CPI das Fake News, quer que o colegiado avalie a possibilidade de entrar com representação no Ministério Público (MP) contra Hans River do Nascimento por falso testemunho. Em depoimento, River fez afirmações insultuosas sobre a conduta Patrícia Campos Mello. Ele negou ter repassado informações à repórter durante a eleição de 2018, o que foi desmentido pelo jornal, que exibiu documentos e mensagens das conversas entre os dois.

Hans River também afirmou que Patrícia “se insinuou” e que pretendia “sair” com ele. Os registros mostrados pelo jornal, no entanto, mostram que ele convidou a repórter para acompanhá-lo em um show e ela não aceitou. A fala do depoente foi compartilhada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em suas redes ainda durante a sessão.

— Depois do depoimento, houve manifestação da jornalista atacada que contestou ponto a ponto as declarações do depoente, o que constitui no mínimo uma possibilidade de testemunho falso. Comuniquei ao presidente da comissão que deveríamos tomar posicionamento, como uma representação ao Ministério Público por falso testemunho.

Mas, independentemente das ações da CPI, podemos tomar essas decisões individualmente — disse Lídice.

O senador Humberto Costa (PE) anunciou que o PT vai protocolar na Procuradoria Geral da República (PGR) notícia-crime contra Hans River. E defendeu que ele seja ouvido novamente pela CPI.

O depoimento levou jornalistas, de veículos de norte a sul do país, a assinar manifestos em repúdio às difamações contra a repórter. Hoje as redações do país são compostas por mais de 60% de profissionais mulheres. Areação das jornalistas ganhou corpo após notada Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) que criticava aposturado ex-funcionário da agência Yacows.

O presidente da Abraji, Marcelo Träsel, lembra que esse não é um caso isolado. Para ele, essa é uma estratégia para “desacreditar os fatos”.

— É um óbvio exemplo de misoginia. Aos ataques na rede seguem sucessivos comentários machistas, que tentam descredenciara repórter — afirma.

O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, se pronunciou por meio de nota: “É lamentável que um depoimento em CPI repleto de inverdades seja usa dopara atacara honra de uma repórter que fez o seu trabalho de trazer à luz práticas eleitorais questionáveis”.

Opinião do GLOBO: solidário

A chegada do bolsonarismo ao poder trouxe junto um estilo baixo nas réplicas ao jornalismo profissional. As referências insultuosas à jornalista Patrícia Campos Mello, da “Folha”, feitas na CPIdas Fake News por Hans River, ex-funcionário de uma empresa de disparo de mensagens por WhatsApp, foram especialmente inaceitáveis. A firma teria trabalhado na campanha de Jair Bolsonaro.

Também deplorável é o deputado Eduardo Bolsonaro replicar os comentários por Twitter, uma forma de ser solidário na baixeza, e ainda levar o assunto à tribuna. Parlamentar, deveria ter um padrão minimamente aceitável de comportamento.