O Globo, n. 31601, 13/02/2020. País, p. 10

Bolsonaro cobra apoio por exploração de terras indígenas

Gustavo Maia
Leandro Prazeres


Em café da manhã com um grupo de parlamentares da bancada ruralista, o presidente Jair Bolsonaro pediu ontem apoio ao projeto que regulamenta a mineração, a geração de energia elétrica e outras atividades econômicas em terras indígenas. O texto foi enviado na semana passada ao Congresso Nacional.

— (O objetivo do projeto) é que o índio possa ter o mesmo direito do fazendeiro. Plantar, arrendar, garimpar, usar sua terra para fazer uma PHC (Pequena Central Hidrelétrica) ou uma hidrelétrica, fazer fazenda de painéis fotovoltaicos. Ou seja, (que) eles se integrem realmente à sociedade. Acredito que, agindo dessa ajudarem o sem muito a diminuir, em especial, o conflito no campo — disse Bolsonaro, que foi à reunião com os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultura), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência).

O pleito foi confirmado pelo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o deputado federal Alceu Moreira (MDBRS), na saída do evento no Palácio do Planalto.

— Pediu (apoio) sim. Aliás, é bom que se esclareça isso: quando se fala em regularização, estamos querendo legalizar o que em grande parte já existe. Já estão garimpando e tomando nossas riquezas com muitos outros interesses, sem pagar um centavo de imposto e causando grandes problemas na Amazônia — defendeu Moreira.

Questionado sobre a tramitação no projeto no Congresso, onde a matéria já conta com a contrariedade pública do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Moreira disse que a velocidade não é a questão principal, e que é melhor “colhê-lo” quando estiver maduro. Sobre a resistência de Maia, o deputado disse achar que Bolsonaro tem dialogado com o Parlamento, mas que não acredita que as pessoas mudem de opinião “do dia para a noite”:

— Lugar ruim para fazer reinado é o Parlamento, lá não tem como. Então a gente precisa, na verdade, é despertar o que nós queremos pela grande maioria das lideranças, fazer a celeridade possível e ir a voto, para nós votarmos e decidirmos. O Parlamento não decide pela vontade de um ou de dois, decide pela vontade da maioria

O presidente da FPA disse ainda que o grupo não é e não quer ser um partido político. O deputado afirmou que a frente não vai ocupar o lugar dos líderes, mas conta com mais de 250 parlamentares e, portanto, pode ser chamado pelo governo previamente para discutir o apoio a “este ou aquele tema”.

CNBB critica projeto e cita ‘interesses econômicos nefastos’

O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor de Oliveira, criticou ontem o projeto de lei apresentado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro que prevê a regulamentação da mineração em terras indígenas. Dom Walmor disse que é preciso respeitar as populações indígenas e “não apenas fazer um projeto de desenvolvimento que atenda a interesses econômicos que são nefastos”.

— Estamos diametralmente opostos àquilo que atinge (as populações indígenas) eque se faz por interesse meramente econômico e um desenvolvimentismo eque não atende as necessidades dos mais pobres, mas que os expulsa — afirmou ao responder sobre o posicionamento da entidade em relação ao projeto, completando:

— Governos e grupos econômicos presidem seus interesses no dinheiro e, portanto, não levam em conta questões fundamentais que devem ser consideradas em nome da preservação. Sabemos que é uma enorme e grande luta que devemos fazer.

O projeto que regulamenta a mineração foi apresentado pelo governo na semana passada e está em tramitação na Câmara dos Deputados. O projeto prevê tanto a mineração quanto a agricultura com organismos transgênicos, construção de hidrelétricas e a exploração de petróleo e gás natural em áreas que façam parte de terras indígenas.

O texto enviado pelo governo não dá aos índios a possibilidade de vetar a implementação de projetos econômicos em suas terras e tem sido alvo de críticas de indígenas e entidades de defesa do meio ambiente.

O governo, por sua vez, argumenta que o projeto poderá oferecer novas fontes de renda às populações indígenas uma vez que empresas interessadas em atuar nessas terras terão de pagar compensações às comunidades.

Dom Walmor também fez um alerta sobre a falta de participação da sociedade civil no Conselho da Amazônia, que será comandado pelo vicepresidente Hamilton Mourão.

— Um governo só pode, de fato, estar à altura daquilo que é a sua característica democrática se nas suas instâncias a sociedade civil estiver representada e participando.