O Globo, n. 31596, 08/02/2020. Sociedade, p. 35

Resgate em curso
Renato Grandelle
Marco Grillo
André de Souza


Cinco dias depois de apelarem, em um vídeo, pelo resgate da cidade chinesa de Wuhan, epicentro do coronavírus, 34 brasileiros e familiares chineses decolaram ontem de volta para casa, em uma jornada iniciada durante a tarde, no horário de Brasília, e que só terminará na madrugada de amanhã. A operação, inicialmente rejeitada pelo presidente Jair Bolsonaro, mobiliza dois aviões e envolve três ministérios — Saúde, Defesa e Relações Exteriores.

Até a conclusão desta edição, o grupo já havia vencido a distância entre a cidade e Urumqi, também na China, e rumava para Varsóvia, na Polônia. Ainda falta passar por Las Palmas (Espanha) e, por último, Fortaleza, até chegar a Anápolis, em Goiás, onde cumprirá quarentena por 18 dias. Antes de embarcar, os passageiros foram submetidos a dois exames no aeroporto de Wuhan: um coordenado por uma equipe chinesa, outro, por médicos brasileiros. Ninguém apresentou sintomas ligados ao coronavírus, como febre alta, condição para conseguir viajar. Todos tiveram a temperatura checada novamente a bordo, procedimento que será rotineiro a partir de agora. Na quarentena, serão pelo menos três análises por dia.

O isolamento será estendido à tripulação dos voos e aos três diplomatas que foram a Wuhan auxiliar as operações de repatriação. A bordo também estão estrangeiros que vão desembarcar na escala em Varsóvia: quatro poloneses, uma indiana e um chinês.

O governo federal recusou solicitações de países latinoa-mericanos e de Cabo Verde para incluir passageiros nas aeronaves. Os nomes das nações latinas não foram divulgados, e, em nota, o Itaramaty lamentou que o governo brasileiro não estivesse em "condições de atender aos pedidos". Segundo informações do Ministério das Relações Exteriores, estes países pediram a inclusão de mais de 80 passageiros na operação, "número superior à própria capacidade das duas aeronaves deslocadas para a China".

O vídeo enviado ao Palácio do Planalto, em que reivindicavam seu resgate de Wuhan, foi concebido pelos participantes de um grupo de bate-papo on-line, que reúne 58 brasileiros. A maioria manifestou o desejo de voltar para o Brasil.

O treinador de futebol Marcelo Alves foi um dos que decidiram ficar. Morador de Qianjiang — localizada na província de Hubei, a mesma de Wuhan —, ele treina duas equipes em escolas secundárias que disputam campeonatos regionais. Alves pretende se mudar para Shenzhen, no Sudeste do país, assim que for rompido o isolamento sobre sua região.

— Não existe uma opção certa entre ficar ou irem bora. Cogitei procurar emprego no Brasil, mas tenho um vínculo empregatício. É possível continuar aqui, desde que tenhamos alguns cuidados — adverte ele, que mora na China há três anos. — Uso máscara e evito contato com outras pessoas. Os chineses são um povo simpático, mas ninguém aperta mais a mão dos outros. Só saio de casa para fazer compras e correr, que é meu hobby. Para o treinador, o grupo que decidiu deixar a China vai voltar assim que o surto de coronavírus for controlado.

— Muitos são estudantes e têm bolsas de estudo. Há também quem tenha família aqui.

Risco 'baixo' no Brasil

Em entrevista coletiva na Fiocruz, ontem, o secretário em Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Wanderson Oliveira, reduziu para "baixo" o risco de o coronavírus chegar ao Brasil, que agora investiga oito casos suspeitos: São Paulo (3), Rio Grande do Sul (2), Santa Catarina (1), Rio de Janeiro (1) e Minas Gerais (1).

— A OMS (Organização Mundial da Saúde) classifica o risco global como alto. No entanto, a avaliação de risco é diária. Com base no número de casos na China, a velocidade da expansão, o número em outros países, que não está aumentando, fica difícil comparar nosso risco com o dos outros países — disse.

Para ele, o fato de o Brasil não dispor de voos diretos para a China e as providências que o país asiático está tomando para conter a propagação reduzem a ameaça de epidemia. — Também há o fato de que o coronavírus, embora novo, é mais conhecido hoje do que há duas semanas — completou Oliveira.

Ele informou ainda que, no Brasil, o tempo de identificação do coronavírus em uma amostra é de sete dias, considerada uma velocidade "muito grande ". O diagnóstico laboratorial em si demora apenas um dia ou menos. A demora adicional se deve à logística de transporte das amostras para as instituições especializadas nos diagnósticos. Ao GLOBO ele disse que o Brasil já negocia com a China a importação de um teste rápido que está em fase de desenvolvimento. Segundo Oliveira, o método conseguiria confirmar ou descartar o diagnóstico de coronavírus em apenas algumas horas.

Apagão de equipamentos

Também ontem, o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou que o mundo está enfrentando uma escassez crônica de aventais descartáveis, máscaras, luvas e outros equipamentos de proteção na luta contra a epidemia. Ontem, o número de mortes na China subiu para 717, segundo informação das autoridades sanitárias de Hubei, cuja capital é Wuhan. No país, há mais de 34 mil pessoas diagnosticadas.

Com agências internacionais