Correio Braziliense, n. 21430, 18/11/2021. Ciência & Saúde, p.16

Poluição do ar agrava covid-19, diz estudo

Paloma Oliveto


Para Francesca Dominici, pesquisadora da Universidade de Harvard que não participou do estudo catalão, essa é mais uma evidência da necessidade de políticas para a redução da poluição atmosférica. No início da pandemia, ela fez uma pesquisa em Boston e descobriu que cada micrograma extra de PM 2.5 por metro cúbico ao qual o paciente estava exposto tinha relação com um aumento de 8% na taxa de mortalidade. "Essa pandemia e possíveis futuras tornam-se uma razão nova e importante para limpar nosso ar. 

Logo no início da pandemia de covid-19, pesquisadores notaram que nas regiões com maior índice de poluição atmosférica parecia haver um número maior de casos de infecção por Sars-CoV-2 e de mortes pela doença. Essa associação foi observada em diferentes países, fazendo com que se levantasse a hipótese de que os resíduos acumulados no ar pudessem favorecer tanto o contágio quanto a gravidade do quadro clínico.
Agora, um estudo com mais de 9 mil pessoas publicado na revista Environment Health Perspectives mostra que a exposição prolongada à poluição atmosférica não aumenta o risco de infecção. Contudo, os autores confirmaram que esse problema eleva a probabilidade de, uma vez contaminado, o paciente desenvolver covid-19.
Manolis Kogevins, pesquisadora do ISGlobal de Barcelona, na Espanha, conta que, até agora, não havia sido possível confirmar essa associação. "O problema é que os estudos anteriores foram baseados em casos notificados, que foram diagnosticados, mas eles deixaram passar todos os casos assintomáticos ou não diagnosticados", diz. Kogevins é a primeira autora do artigo divulgado ontem.
Os pesquisadores, então, decidiram combinar uma tecnologia desenvolvida pela cientista Carlota Dobaño, também do ISGlobal, para medir uma série de anticorpos específicos para o Sars-CoV-2 em uma amostra de adultos que vivem na Catalunha. As informações sobre a exposição de longo prazo desses indivíduos aos poluentes atmosféricos (NO2, PM 2,5, carbono negro e ozônio) estavam disponíveis. "Esse é o primeiro estudo a realizar a triagem em massa de anticorpos específicos para Sars-CoV-2 em uma coorte de adultos para examinar a associação entre sua exposição residencial à poluição do ar antes da pandemia e o risco de infecção por Sars-CoV-2, além da doença", diz Cathryn Tonne, coautora do artigo.

Evidências
O estudo incluiu 9.605 participantes, entre os quais havia 481 casos confirmados (5%) de infecção pelo coronavírus. Além disso, amostras de sangue de mais de 4 mil voluntários foram coletadas para determinar a presença e a quantidade de IgM, IgA e IgG para cinco antígenos virais. Desses, 18% tinham anticorpos específicos para o Sars-CoV-2, mas nenhuma associação foi encontrada entre infecção e exposição a poluentes atmosféricos. Porém, entre os que se infectaram, foi descoberta uma relação entre maior exposição ao dióxido de nitrogênio (NO 2) e a partículas muito finas chamadas PM 2,5 a níveis mais elevados do IgG específico para os cinco antígenos virais. Isso é uma indicação de maior carga viral e/ou gravidade dos sintomas, explicam as pesquisadoras.
Para a população total do estudo, foi encontrada uma associação entre maior exposição ao NO2 e a PM 2,5 e sintomas da doença, particularmente para casos graves, que terminaram em hospitalização ou em internação nas unidades de terapia intensiva (UTIs). A relação com PM 2.5 foi mais forte para homens com mais de 60 anos e pessoas que vivem em áreas socioeconomicamente carentes.
"Nosso estudo fornece as evidências mais fortes globalmente sobre a associação entre poluição do ar ambiente e covid-19", diz Kogevinas. "Esses resultados vão ao encontro da associação entre poluição do ar e hospitalização descrita pela ciência para outras doenças respiratórias, como gripe ou pneumonia." A poluição do ar também favorece o desenvolvimento de enfermidades cardiovasculares, respiratórias ou outras condições crônicas, que, por sua vez, aumentam o risco de covid-19 grave, acrescenta a pesquisadora.
"A combinação de riscos genéticos individuais que identificamos anteriormente nos indivíduos da mesma coorte e esses novos dados sobre o impacto ambiental causado pela exposição à poluição do ar contribuirão para a compreensão da complexa interação e dos mecanismos subjacentes à gravidade da covid-19", diz Cathryn Tonne. No artigo, os autores concluem que os resultados "fornecem suporte adicional para os benefícios de saúde pública da redução dos níveis de poluição do ar" e destacam a influência dos fatores ambientais nas doenças infecciosas.
Para Francesca Dominici, pesquisadora da Universidade de Harvard que não participou do estudo catalão, essa é mais uma evidência da necessidade de políticas para a redução da poluição atmosférica. No início da pandemia, ela fez uma pesquisa em Boston e descobriu que cada micrograma extra de PM 2.5 por metro cúbico ao qual o paciente estava exposto tinha relação com um aumento de 8% na taxa de mortalidade. "Essa pandemia e possíveis futuras tornam-se uma razão nova e importante para limpar nosso ar. Não é sensato ignorar as medidas necessárias para conter a poluição atmosférica quando sabemos que estamos lidando com um vírus que ataca nossos pulmões", conclui.