Título: Cem mil em manifestação decisiva
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 21/04/2005, Internacional, p. A7

A intensificação das manifestações contra o governo do presidente derrocado Lucio Gutiérrez na madrugada de terça-feira, quando duas pessoas morreram e mais de 150 ficaram feridas, foram definitivas para a queda do presidente.

Nos cartazes e fotografias nas mãos dos manifestantes - que começaram a se concentrar por volta das 17h e no fim da noite já somavam 100 mil pessoas - o rosto do presidente podia ser visto ao lado de burros, com corpo de verme ou com um pequeno bigode como o de Adolph Hitler e com marcas de acne nas bochechas, em alusão ao ex-presidente equatoriano, também destituído, Abdalá Bucaram.

''Brasil tem Lula, nós temos mula'', gritavam os manifestantes que começaram o protesto no parque La Carolina, na capital.

Pelos alto-falantes, o hino nacional pôde ser ouvido pelo menos seis vezes entre às 17h e 18h, enquanto a população, vestida de amarelo e munida de apitos, decidia se mobilizar até a sede do Executivo.

Instalada em um poste próximo ao parque, uma pequena câmara, parte do sistema de vigilância de polícia batizado de ''Olho de Águia'', se movia de um lado ao outro.

- Estamos com o povo, pediram ao presidente que nos respeite, queremos viver em democracia, com justiça - dizia a freira salesiana María Zapata, que participou da marcha rumo ao centro.

''Nenhum presidente, nenhum mais, vamos criar a assembléia popular'', gritavam dezenas de jovens.

Na tentativa de se aproximar do palácio presidencial, que estava entrincheirado e protegido por cerca de 1.200 militares e tanques blindados, os manifestantes foram reprimidos por centenas de policiais, munidos de escudos, máscaras, fuzis para disparar granadas de gás lacrimogêneo e cães adestrados.

''O povo uniformizado, também é explorado'', gritavam, em referência aos policiais e militares.

O protesto se tornou ainda mais violento, com os manifestantes atirando paus e pedras nos policiais, quando a Rádio La Luna, que há várias semanas servia de meio de comunicação dos protestantes, anunciou a morte do jornalista chileno Julio García.

Por volta de 1h, centenas de pessoas ficaram presas nos cercos policiais, em meio ao intenso disparo de granadas de gás lacrimogêneo. Nas varandas dos prédios, moradores atiravam papel picado nas ruas. A população acendeu fogueiras para tentar reduzir o efeito dos gases.

Por outro lado, durante o dia chegaram mais de 100 ônibus a Quito, trazendo milhares de simpatizantes de Gutiérrez, entre eles 5 mil indígenas evangélicos e conterrâneos de Tena.