Título: Da inconfidência ao choque fiscal
Autor: Jorge Miguel Secin*
Fonte: Jornal do Brasil, 21/04/2005, Outras Opiniões, p. A13

Como a reforma tributária se arrasta desde Tiradentes, restam choques de gestão fiscal

Choque de gestão é a expressão da moda, contra a paralisia de algumas funções de governo. Na profissionalização das administrações de algumas das principais metrópoles do Primeiro Mundo, foi fundamental um conceito gerencial que desperta resistências na maioria dos entes públicos brasileiros, cuja cultura secular tende a insurgir-se contra quem põe o servidor público para trabalhar mais.

A administração ''por conflito'' (de performance) permite ao gestor mobilizar diversas estruturas ociosas redundantes criadas por séculos de empreguismo, premiando com gratificações e cargos em comissão às que apresentem resultados concretos à população. Isto vem acontecendo, por exemplo, na gestão da Cidade do Rio há mais de uma década, mesmo antes da Lei Camata ou da Lei Fiscal que limitaram sobremaneira gastos com pessoal no setor público.

Este modelo tem produzido resultados seguidamente ratificados pelos cariocas, já que colabora em muito para a potencialização do Orçamento Municipal (7,8 Bilhões inclusos os repasses), num contraponto de resistência ao processo de esvaziamento de recursos estaduais e federais por que passa a cidade, desde o ciclo militar, quando, por motivos políticos, aprofundou-se sua atrofia tributária semelhante a uma derrama gradual disfarçada.

Questiona-se a injustiça fiscal no Brasil desde a Vila Rica dos Inconfidentes, mas o caso da cidade do Rio merece atenção pois, mesmo após a transferência da capital (e de verbas federais); mesmo após a fusão (e perda de verbas estaduais), ainda corresponde ao 3º PIB do país, tendo herdado, por exemplo, as maiores redes hospitalar e de ensino fundamental da América Latina.

Aqui na Cidade do Rio se arrecadam 2/3 do ICMS estadual (de 12,7 bilhões). Estes mesmos munícipes contribuem também com quase 10% da arrecadação federal em impostos e contribuições (de 332,5 bilhões) decorrentes principalmente de Imposto de Renda Pessoa Física, Pessoa Jurídica, IPI, Cofins e CPMF. Isso, sem contar a arrecadação do INSS, segunda maior dentre os 5.562 municípios.

Não é toa que os dois únicos Tribunais de Contas Municipais do Brasil encontram-se nas cidades do Rio e de São Paulo. São estruturas públicas maiores do que a dos estados, exceto as dos próprios (SP/RJ) e a de Minas. Despesas públicas superiores às da maioria dos países da América Latina (exceto Argentina, México e Venezuela). Daí a luta política ferrenha nessas Megalópolis.

Parece-nos correto o prefeito da cidade de São Paulo pleitear regras estaduais, para o escalonamento da dívida paulistana para viabilizar seu choque fiscal, mesmo não sendo ele do partido de seus vários antecessores. O fato é que os dois maiores motores do país estão no limite, e o aperto federal soa excessivo visto que a União tem batido recordes históricos de arrecadação, via federados.

Parece-nos correto o prefeito da Cidade do Rio de Janeiro apoiar a intervenção federal nos hospitais federais e reagir à mesma, nos hospitais municipais. Afinal foi ele que em 1993 inaugurou na cidade a administração por conflito e, ao conflagrar o drama da Saúde com a União, busca alternativas para a sina de delongas ou retração militar nos repasses à cidade do Rio.

Como a reforma tributária se arrasta desde Tiradentes, restam os choques de gestão fiscal.

Por exemplo, se a administração por conflito, for estendida à salada do Sistema Único de Saúde na Cidade do Rio, ela tende a tirá-lo da letargia estatal, desmascarando focos ociosos ou defasados nas três esferas. Com administrações bem separadas para as redes municipal, estadual e Federal (a exemplo do que ocorre na Educação) saberemos quem gere melhor.

*Jorge Miguel Secin é presidente da Associação dos Analistas de Planejamento e Orçamento da Cidade do Rio de Janeiro