Título: Prefeitura retoma hospitais
Autor: Luiz Orlando Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 21/04/2005, Rio, p. A15
Supremo Tribunal Federal considera inconstitucional a intervenção da União no Miguel Couto e no Souza Aguiar
O governo sofreu ontem uma fragorosa derrota no Supremo Tribunal Federal. Por unanimidade (ausente o ministro Eros Grau), o tribunal considerou totalmente inconstitucional o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que declarou, no dia 11 de março, ''estado de calamidade pública'' no setor hospitalar do Sistema Único de Saúde do Rio, e passou os dois mais importantes hospitais municipais - o Souza Aguiar e o Miguel Couto - à administração direta da União. Assim, está suspenso o que o ministro Ayres Brito chamou de ''intervenção disfarçada, enrustida, no município do Rio de Janeiro''; Cezar Peluso de ''fraude constitucional''; e Gilmar Mendes de ''requisição à brasileira''. A decisão foi tomada na apreciação de mandado de segurança ajuizado pela procuradoria da prefeitura, segundo a qual a União não pode, tendo em vista o princípio da autonomia federativa, ''apossar-se de bens e serviços de outro ente público, através de um mero decreto''. O voto do ministro-relator, Joaquim Barbosa, foi no sentido de que não estava caracterizada uma intervenção federal, mas simples requisição de bens e serviços municipais. Apesar disso, Barbosa levantou a questão de que o decreto presidencial ''padecia de falta de motivação''.
A partir dessa parte final do voto do relator - e apesar de intervenções iniciais dos ministros Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim de que estava em julgamento um mandado de segurança relativo à requisição de bens, serviços e servidores de apenas dois hospitais do Rio - os ministros do Supremo foram além do pedido do município, e acabaram por julgar a inconstitucionalidade total do decreto, por ferir o ''pacto federativo'' previsto na Constituição da República. Para a esmagadora maioria dos ministros, o estado de calamidade pública, que teria de ser muito bem fundamentado, só poderia ter sido decretado com base nos dispositivos constitucionais relativos ao Estado de Defesa, respeitados os limites previstos no artigo 136, ouvido o Congresso Nacional.
Em seu voto, o ministro-relator Joaquim Barbosa começou por defender o decreto presidencial de ''requisição administrativa de bens, servidores e serviços''. A seu ver, não poderia ser confundido com um ato típico de intervenção federal, por basear-se em dispositivo da Lei 8080/90, que instituiu o SUS. Segundo a norma legal, ''para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas''.
Joaquim Barbosa destacou as ''peculiaridades'' do sistema de saúde do Rio de Janeiro e citou números fornecidos pelo Ministério da Saúde demonstrando que os hospitais federais realizaram 509 transplantes no último ano e foram responsáveis por 77% dos tratamentos de pessoas cancerosas. Assim, de acordo com o relator, a União não era ''ente estranho aos problemas de saúde no município do Rio de Janeiro''.
Mas tudo mudou quando o próprio ministro-relator levantou a questão de que o decreto presidencial não estava devidamente motivado.
A ministra Ellen Gracie chegou a dizer que ''o fracasso do diálogo político entre entes da Federação não pode violar os princípios constitucionais''.
O ministro Jobim acabou acompanhando a maioria formada, mas com a ressalva de que, em alguns casos, a requisição de bens, serviços e servidores dos ''entes federais'' para o cumprimento do artigo da Constituição que garante o direito de todos à saúde não pode ser considerada intrinsecamente inconstitucional.
E fez questão de proclamar a seguinte decisão, a fim de ''evitar confusões'': a retomada pelo município da administração e gestão dos hospitais Souza Aguiar e Miguel Couto; vedar à União Federal ''a pretensão de utilizar os servidores municipais, os bens e serviços contratados pelo município nos outros quatro hospitais da União''.
O deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ), filho do prefeito Cesar Maia, que acompanhava o julgamento no plenário do STF, comemorou o resultado como ''uma vitória da população brasileira''.