Correio Braziliense, n. 20754, 19/03/2020. Economia, p. 9

Juros descem para 3,75%
Rosana Hessel


Como esperado pelo mercado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu, ontem, a taxa básica de juros (Selic) de 4,25% para 3,75% ao ano. A decisão foi unânime entre os diretores da autoridade monetária, chefiada pelo ministro Roberto Campos Neto.

Esse corte de 0,50 ponto percentual, no entanto, deixou especialistas divididos se haverá novas reduções pela frente, pois os impactos na economia pela pandemia da Covid-19 ainda não estão totalmente calculados. As recentes previsões de grandes bancos internacionais indicam queda do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.

No comunicado, o Copom reiterou que a conjuntura econômica “prescreve política monetária estimulativa, ou seja, com taxas de juros abaixo da taxa estrutural”. O BC ainda informou que “a atual conjuntura prescreve cautela na condução da política monetária, e neste momento vê como adequada a manutenção da taxa Selic em seu novo patamar”. Em seguida, afirmou que reconhece que se elevou a variação “do seu balanço de riscos e novas informações sobre a conjuntura econômica serão essenciais para definir seus próximos passos”. De acordo com a nota,  o BC “continuará fazendo uso de todo o seu arsenal de medidas de políticas monetária, cambial e de estabilidade financeira no enfrentamento da crise atual”.

Os analistas que acham que o corte da Selic será interrompido acreditam que o BC vai olhar para o mercado de câmbio –– o dólar não para de bater recordes diante da queda na Selic, provocando uma saída de investidores estrangeiros da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), que já perdeu R$ 1,8 trilhão no ano, em valor de mercado. No acumulado de 2020, até o dia 13, a debandada da B3 tinha sido de R$ 54,9 bilhões.

Já os que apostam em novos cortes destacam que, como a demanda continuará reprimida devido ao coronavírus, as pressões inflacionárias do câmbio não devem ser repassadas totalmente. Não à toa, algumas estimativas apontam para novos cortes na Selic, que poderá encerrar o ano entre 2,5%, como prevê Étore Sanches, novo economista-chefe da Ativa Investimentos. Mas ele reconhece que os juros não deverão estimular a atividade enquanto a crise não for dissipada.

“É evidente que, diante do quadro em que as pessoas vão ficar em casa devido ao confinamento e à queda na demanda, o impacto dessa redução dos juros não será sentido na atividade econômica”, destacou.

O economista e consultor Alexandre Schwartsman lembrou que o BC não era obrigado a cortar juros diante da forte alta do dólar frente ao real, porque o país está caminhando para a recessão. Para ele, certamente haverá um “colapso” na demanda e as perspectivas de inflação devem continuar abaixo da meta neste ano e no próximo.

O consultor lembrou que, ao mesmo tempo em que o BC sinalizou que vai interromper os cortes, reconhece que “a variação de seu balanço de riscos aumentou”. “O BC não acredita que possa reduzir ainda mais a taxa Selic, mas isso pode mudar, à luz de novas informações. Minha opinião é que novas informações devem pressionar o BC a reduzir ainda mais a taxa”, destacou.

Apesar de a Selic alcançar um novo piso histórico, os juros reais (descontada a inflação) do Brasil, de 0,26%, estão entre os 10 maiores do mundo, como mostra o levantamento feito pela Infinity Asset Managment com 40 países (veja quadro). “O movimento global de políticas de afrouxamento monetário e de alívio quantitativo ganhou força, com o aumento expressivo no número de BCs efetuando cortes de juros”, explicou o economista-chefe da Infinity, Jason Vieira.

A economista Juliana Inhasz, professora do Insper, ressaltou que os riscos devem aumentar, e não há dúvidas de que os cortes na Selic vão continuar. “As incertezas continuam elevadas e o presidente Jair Bolsonaro não tem ajudado a evitar mais preocupações com suas declarações que continuam minimizando a pandemia. O cenário é preocupante e, depois dessa decisão do BC é que novos cortes virão e o dólar continuará subindo”, resumiu.

Nova redução do PIB para 2020

O governo reduzirá, novamente, a perspectiva de crescimento para a economia neste ano. Com isso, a projeção oficial do Produto Interno Bruto se aproxima das expectativas do mercado, que falam em crescimento zero e até em retração devido ao impacto do coronavírus. “Têm diversas previsões convergindo para números que vão de 0% a 0,5%. Nossos modelos convergem para valores bem abaixo de 2%”, admitiu o secretário Especial da Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues. A nova projeção será anunciada amanhã pela Secretaria de Política Econômica. O governo começou o ano prevendo um PIB de 2,4% para 2020, mas rebaixou essa projeção para 2,1% por conta da desaceleração econômica provocada pelo coronavírus. O mercado, por sua vez, tem apresentado previsões bem mais pessimistas, abaixo de 1%.

Novo patamar
Com novo corte nos juros básicos em 0,5 ponto percentual, Selic registra novo piso histórico

Evolução - Taxa Selic

Em % ao ano    Dados no fim do ano
2016                            13,75
2017                              7,00
2018                              6,50
2019                              4,50
2020*                             3,75

* nova taxa após decisão do Copom de ontem

No topo

Apesar de registrar um dos menores juros da história, taxa brasileira ainda está entre as 10 mais altas em valores reais, ou seja,  descontada a inflação, em um ranking de 40 países

Posição País     Taxa de juro real em %

1 Rússia                    3,63
2 México                   3,07
3 Indonésia               2,52
4 Malásia                  1,78
5 Índia                       1,08
6 África do Sul          0,93
7 Turquia                  0,42
8 Colômbia               0,38
9 Brasil                     0,26
10 Cingapura            0,17
11 Filipinas                 0,10
12 Tailândia                0,04
13 Japão                    0,52
14 Portugal                0,67
15 Israel                    0,68
16 China                    0,71
34 Estados Unidos    2,05
35 Chile                     2,08
36 Reino Unido         2,48
37 Hungria                2,62
38 Holanda               2,99
39 Taiwan                 3,23
40 Argentina             3,71

Média Geral             0,76%

Fontes: Banco Central e Infinity Asset Management.