Correio Braziliense, n. 20756, 21/03/2020. Política, p. 4

Piora crise com governadores
Augusto Fernandes


A urgência por ações que possam fazer frente à proliferação do novo coronavírus pelo país agravou o desentendimento político entre o presidente Jair Bolsonaro e governadores. Insatisfeitos com a atuação do Palácio do Planalto diante da crise, e ante à iminência de um colapso, principalmente na rede pública de saúde, por conta da Covid-19, estados têm se antecipado ao Executivo federal e agido por conta própria para tentar combater a expansão da doença. Mas não só isso. Governadores cobram mais celeridade do presidente da República, que, por sua vez, reclama dos chefes estaduais por adotarem “medidas extremas que não competem a eles”.

Ontem, ao menos três governadores subiram o tom contra Bolsonaro. No Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que decretou a suspensão das aulas e restringiu o funcionamento de parte do comércio como medida de precaução contra a disseminação do vírus, defendeu a atuação dos estados. “O que está em risco é a saúde da coletividade, e os exemplos mundiais, infelizmente, demonstraram que qualquer lapso de ação pode levar ao desastre”, respondeu.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), também se manifestou. Após decretar situação de calamidade pública no estado, frisou que “estamos fazendo o que deveria ser feito pelo líder do país, o que o presidente Jair Bolsonaro, lamentavelmente, não faz, e quando faz, faz errado”. “Estamos fazendo o que ele (Bolsonaro) não faz, que é liderar processos, liderar a luta contra o coronavírus, não minimizar processos. Compreender a importância do respaldo da informação científica e da área da medicina e estabelecer diálogo e entendimento com prefeitos e governadores”, atacou.

Mas é o governador Wilson Witzel (RJ) o principal responsável pelo embate com Bolsonaro. Em uma das decisões mais extremas já tomadas no país desde a explosão de casos de Covid-19, ele publicou um decreto que pede o isolamento da cidade do Rio de Janeiro para transportes de passageiros, tanto por meios terrestres quanto aéreos. A medida, que depende de aval de agências reguladoras para entrar em vigor, também quer suspender voos internacionais e voos nacionais que saiam de estados com ocorrências de pessoas infectadas pelo coronavírus.

“São os nossos hospitais que serão impactados, e o governo federal ainda em passo de tartaruga. Só fiz o decreto para que o governo tome ciência das medidas e, de uma vez por todas, acorde. É preciso olhar para o Brasil como um todo e parar com essa atitude antidemocrática, conversar com os governadores. Porque o que vai acontecer daqui pra frente, definitivamente, depende muito do que o governo federal precisa fazer”, afirmou o governador do Rio de Janeiro.

No fogo cruzado de críticas, Bolsonaro defendeu a soberania do Executivo federal. Ele não concordou com as medidas que restringem a circulação de pessoas dentro dos estados e, principalmente, com o fechamento de divisas entre unidades da Federação. “Estão tomando medidas, no meu entender, exageradas. O pânico piora a situação do Brasil. Tenho que falar a verdade e transmitir tranquilidade ao povo brasileiro. Tem certos governadores que estão tomando medidas extremas. Não compete a eles fechar aeroporto, fechar rodovias. O comércio para, e o pessoal não tem o que comer. O vírus, em alguns casos, mata. O vírus mata, sim”, ponderou.

Conflito

O presidente ainda direcionou-se especificamente para Witzel, e disse que “só falta ele declarar independência” do Rio de Janeiro. “Temos que tomar medidas equilibradas. E cada vez mais levam pânico. Fecharam o aeroporto do Rio de Janeiro. Não compete a ele, meu Deus do céu! Confesso, fiquei preocupado. Parece que o Rio de Janeiro é um outro país. Não é outro país. Você tem uma federação”, alertou Bolsonaro.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reforçou o argumento do presidente. Comentou que as “decisões de interromper ou fechar fronteira são muito fáceis de serem feitas”, mas lembrou que “elas precisam ser muito precisas, muito pensadas e muito organizadas”. “Ainda há tempo de as pessoas pensarem nas consequências desses atos. No nível federal, nós estamos pensando e tomando com todo cuidado”, garantiu.

Mandetta ainda declarou que é hora de “os brasileiros entenderem o seguinte: nós estamos dentro do mesmo barco”. “A fronteira interestadual foi uma mera convenção que nós fizemos. Nós vamos ter que nos atender mutuamente. A regionalidade, para nós, é um mero desenho administrativo para que a gente possa conduzir esse país dentro de uma lógica, agora, de unidade nacional, e não dentro de uma lógica fragmentada que pode interromper cadeias de abastecimento que nos são muito preciosas”, destacou o ministro.