O Estado de S. Paulo, n. 46574, 23/04/2021. Internacional, p. A7

Elogios ao discurso, mas cobrança por ações 

Beatriz  Bulla


Em discurso na cúpula do clima organizada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, Jair Bolsonaro prometeu dar mais verba para fiscalização ambiental, alcançar a neutralidade climática até 2050 e acabar com o desmatamento ilegal até 2030. Ganhou alguns elogios, mas não chegou a convencer os americanos, que ainda querem ver resultados concretos.

"Alguns comentários do presidente Bolsonaro me surpreenderam, foram muito bons", disse John Kerry, czar do clima da Casa Branca, ao falar também sobre os compromissos assumidos pelo russo Vladimir Putin. "A questão é: eles farão?"

Biden não estava quando Bolsonaro discursou. Ele se retirou da sala antes do início do pronunciamento do presidente argentino, Alberto Fernández. O Brasil foi o 19.º a falar – a ordem foi definida pela Casa Branca, sem informar o critério. O tom do brasileiro foi menos agressivo. Em 2019, no auge da crise de imagem do país em razão das queimadas na Amazônia, Bolsonaro classificou como "falácia" a tese de que a floresta "é patrimônio da humanidade" e criticou o que chamou de "espírito colonialista" de países como França e Alemanha.

Desta vez, pressionado desde a eleição de Biden, ele deixou de lado referências religiosas, ideológicas e embates com outras nações. Apesar de não detalhar a estratégia para o fim do desmatamento até 2030, como vinham cobrando os americanos, Bolsonaro indicou, ao menos no discurso, que o Brasil trabalhará para cumprir uma agenda ambiental.

A determinação de antecipar em dez anos a neutralidade climática, de 2060 para 2050, já havia sido indicada pelo presidente na carta que ele enviou a Biden na semana passada. Ele também repetiu o compromisso com o fim do desmatamento ilegal – que já constava no acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário desde 2015.

A comunidade internacional, porém, vê com ceticismo promessas de um governo até então descomprometido com a questão ambiental. Por isso, um porta-voz do Departamento de Estado americano afirmou ontem que a credibilidade dependerá de "planos sólidos na execução do trabalho e do foco implacável nos resultados".

Os americanos estão em negociações com o Brasil desde fevereiro e indicam que o salto de qualidade na relação entre os dois países depende do quanto Bolsonaro estiver disposto a fazer dessa pauta uma prioridade. Em jogo estaria, entre outras coisas, o apoio à ambição brasileira de se tornar membro da OCDE, entidade que reúne países ricos.

Reação interna. No Brasil, o discurso dividiu empresários e economistas. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Plástico (Abiplast), José Ricardo Roriz Coelho, criticou a fala de Bolsonaro. Segundo ele, o discurso não teve força para "resgatar a confiança dos países mais influentes". "Infelizmente, o Brasil não consegue transformar as nossas vantagens em relação a outros países no meio ambiente em resultados concretos para a sociedade brasileira", disse.

Para Sérgio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, o Brasil perdeu a chance de, no "jogo" das propostas, "sair pelo menos empatado". "Era a chance de a gente recuperar essa má imagem que o País tem causado na torcida mundial e sair do jogo, senão com a vitória, pelo menos empatado", afirmou Leitão.

Já Fábio Alperowitch, fundador da Fama Investimentos, uma das pioneiras em investimentos ESG no País, disse que o "Brasil não perde a oportunidade de perder oportunidade". "O Brasil deveria ser protagonista e a gente passa vergonha. O discurso do Bolsonaro foi horrível em todos

os sentidos."

Avaliação diferente teve a presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), Marina Grossi, que elogiou a mudança de tom do governo. Segundo ela, agradou a promessa de neutralizar a emissão de carbono até 2050. O desafio agora será transformar a meta em ação. "Fico feliz que os empresários tenham conseguido mostrar que há uma trajetória segura para chegar em 2050 com neutralidade climática."

Para Paulo Skaf, presidente da Fiesp, o discurso foi "positivo" e "reafirmou a posição do Brasil como potência agroambiental". "A fala de Bolsonaro se mostrou alinhada com as preocupações globais, aberto ao diálogo e à cooperaçã internacional."  / Colaboraram Fernanda Nunes, Fernanda Guimarães e Tania Rabelo

Crítica

"O Brasil deveria ser protagonista e a gente passa vergonha. O discurso do Bolsonaro foi horrível em todos os sentidos."

Fábio Alperowitch

Fundador da Fama Investimentos