Título: Impasse amplia desgaste do Brasil
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Fonte: Jornal do Brasil, 23/04/2005, Internacional, p. A7
Novo governo retrocede e concessão de asilo a Lucio Gutiérrez, prevista para sair na quinta-feira, agora é ''estudada''
AFP Manifestantes bloqueiam com um carro a entrada da residência do embaixador, onde está Gutiérrez
QUITO - O clima de tensão aumentou ontem diante da casa do embaixador brasileiro em Quito, onde está refugiado o presidente deposto Lucio Gutiérrez, depois que o novo governo retrocedeu sobre o prazo em que emitirá a concessão de salvo-conduto. Apenas com o documento Gutiérrez poderá deixar o país em segurança e se exilar no Brasil. Na quinta-feira, o governo de Alfredo Palacio sugeriu que a concessão sairia em breve, mas ontem o novo chanceler, Antonio Parra Gil, disse que o caso ainda está sendo ''estudado com cuidado'', aparentemente temendo que a liberação provoque uma convulsão social.
- O Brasil já considera o ex-presidente um asilado, mas nós ainda não lhe concedemos o salvo-conduto - destacou. - Somos obrigados pela lei internacional, mas não existe prazo. Não há nenhuma imposição de que tenha de sair em 24 horas, em 48 horas ou em quantas horas forem. A questão é delicada - acrescentou o diplomata, que assumiu na quinta-feira.
Segundo Parra Gil, Palacio está ciente de que a embaixada do Brasil se encontra sitiada e que a população pede a punição do ex-presidente.
- O problema é que os equatorianos se cansaram dos presidentes que, convertidos em verdadeiros traidores, pedem e conseguem asilos políticos.
O mandatário deposto pediu asilo na sede diplomática brasileira depois de ser destituído pelo Congresso por ''abandono declarado do cargo'', na quarta-feira. A votação extraordinária foi realizada fora da sede do Congresso e dela participaram apenas 62 dos 100 deputados. O asilo foi concedido no mesmo dia pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os manifestantes que estão de prontidão diante da residência do embaixador brasileiro, Sérgio Florêncio, chegaram inclusive a impedir a saída de diplomatas da casa, mas Florêncio negou que as manifestações sejam contra o Brasil.
- É muito importante esclarecer que os protestos são dirigidos à figura do ex-presidente do Equador - disse.
No entanto, os cartazes dos militantes criticavam duramente a posição do governo brasileiro e pediam o boicote a produtos. Em alguns deles, podia-se ler as frases ''Lula, você ofendeu o povo equatoriano'', ''Brasil, não traia o Equador'' e ''Lula, você era respeitável''.
- Lamento a atitude do presidente Lula. Continuamos tendo respeito, mas decepcionou os que lutam pela democracia no Equador - disse Paco Velazco, diretor da rádio La Luna, que serviu de meio de comunicação para os manifestantes e foi fundamental para a organização dos protestos que culminaram com a queda de Gutiérrez.
Em entrevista coletiva em São Paulo, o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, frisou que a concessão de asilo político é questão de tradição e não representa qualquer tipo de ''simpatia'' em relação ao antigo governo.
- O asilo tem por objetivo não só proteger uma pessoa que por motivos políticos se sinta perseguida, mas contribuir, em minha opinião, à paz social.
O avião da Força Aérea Brasileira (FAB) disponibilizado pelo governo para trazer Gutiérrez partiu da base de Rio Branco - onde estava na quinta-feira - para a base aérea de Porto Velho, por questões de infra-estrutura, enquanto aguarda a concessão do salvo-conduto.
Segundo o chanceler, o envio do avião já na quinta-feira para a região não foi precipitado:
- Era melhor a aeronave estar mais perto do Equador e ter de esperar, do que ficar na base e, se tiver oportunidade, perdê-la - explicou. - O que as autoridades equatorianas disseram é que o momento é muito difícil, há comoção popular e talvez a aprovação do salvo-conduto em um primeiro momento pudesse provocar uma maior convulsão social.
Celso Amorim deve ir ao Equador, em data ainda não confirmada, para colaborar no enfrentamento da crise política e institucional.
Em declarações, o vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, informou que Gutiérrez ficará em Brasília, morando em uma casa cedida pelo Exército. Além disso, o equatoriano deverá receber uma ajuda de custo.