Título: Brasília na pauta
Autor: Marcelo James Vasconcelos Coutinho
Fonte: Jornal do Brasil, 26/04/2005, Internacional / Além do fato, p. A8

Nos últimos meses os Estados Unidos têm dado fortes indícios de que voltaram a se preocupar com a América do Sul e, particularmente, com o Brasil; uma preocupação que ultrapassa questões referentes ao Plano Colômbia e à presença já antiga do Comando Sul-americano em países da região. Primeiro o governo brasileiro recebeu o ex-secretário de Estado Colin Powell, depois, o de Defesa, Donald Rumsfeld e, agora, a atual secretária de Estado Condoleezza Rice. O próprio presidente George Bush deve visitar o país em outubro, o que justifica a vinda prévia de seus auxiliares. Outro indicativo do interesse americano é o ressurgimento de temas sensíveis à região em declarações oficiais, temas até mesmo econômicos, algo que havia praticamente desaparecido após o 11 de Setembro, quando as atenções se voltaram para o Oriente e a guerra contra o terror. As razões mais gerais dos Estados Unidos se voltarem para o Brasil, um país situado em sua área direta de influência, são três: fazer avançar as negociações sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca); buscar soluções conjuntas para problemas de estabilidade regional, sobretudo nos países andinos; e discutir a ampliação do Conselho de Segurança da ONU, uma vez que o Brasil pleiteia uma vaga permanente nesse Conselho.

Estão ainda envolvidas questões mais específicas como a compra de caças americanos pela Força Aérea Brasileira, a troca de tecnologias de produção de biocombustível e ações de combate ao narcotráfico, pirataria, contrabando e vigilância na tríplice fronteira, em Foz do Iguaçu, onde os EUA acreditam ser inclusive abrigo de grupos terroristas. É possível também que esta seja uma oportunidade para o governo brasileiro negociar o cumprimento por parte dos Estados Unidos de decisões já tomadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que deu ganho de causa ao Brasil em demandas referentes ao aço e ao algodão. A polêmica com o programa nuclear brasileiro parece já superada.

Na realidade, o retorno dos Estados Unidos tem muito a ver com a política externa do governo Lula, que em pouco mais de dois anos acelerou significativamente a diversificação da agenda diplomática do país, estreitando laços regionais e Sul-Sul sem, com isso, impor prejuízos às suas relações com o mundo desenvolvido. Ao contrário. As relações bilaterais entre o Brasil e os EUA ou entre o Brasil e a Europa possivelmente nunca estiveram tão boas. Por de traz, então, de todas as razões apontadas para a volta dos Estados Unidos, depois de tanto tempo de desinteresse, está uma postura mais autônoma e assertiva adotada pelo Brasil. Essa postura que inova ao buscar alternativas com bastante pragmatismo, mas também com uma visão mais ampla das relações internacionais contemporâneas, considerando ganhos mais coletivos e de longo prazo e não apenas benefícios particulares e imediatos, vem dando à grande nação do Sul, como certa vez nos chamou Colin Powell, um lugar de destaque na cena global, o que tem atraído a atenção de Washington.

O Brasil está em evidência principalmente porque assumiu sua liderança na coordenação política regional e começou já a aprofundar suas relações com os países árabes, africanos e asiáticos, demonstrando grande disposição e capacidade de seguir em frente sem a Alca e mesmo contrariando a grande potência, quando, por exemplo, recusa endossar as hostilidades dirigidas a Hugo Chávez.

Evidentemente a região continua fora das prioridades americanas e enfrentando muitas dificuldades, entre elas uma onda de crises institucionais, mas o Brasil vem se tornando uma referência cada vez mais importante e assumindo um papel maior do que o de simples guardião da América do Sul. Os Estados Unidos percebem isso e parecem reconhecer que é hora de se reaproximar de uma área, há pouco, considerada também um continente perdido, mas onde, a despeito das instabilidades políticas, a democracia é hegemônica e, finalmente, as economias começam a crescer. Os EUA estão de volta, enfim, em grande medida porque o Brasil se fez visível, e ambos têm a ganhar um com o outro havendo reciprocidade.