Correio Braziliense, n. 21166, 07/05/2021. Política, p. 5

China repudia politização
Renato Souza


As críticas do presidente Jair Bolsonaro, que insinuou que a China poderia ter criado o novo coronavírus em laboratório como arma de uma guerra biológica — que visaria impactar a economia mundial e favorecer apenas a daquele país —, geraram reações de autoridades de Pequim e podem travar o envio de insumos para produção de vacinas contra a covid-19 no Brasil. O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, reduziu a expectativa de produção de novos imunizantes nas próximas semanas em razão do recrudescimento da tensão diplomática provocada pelo governo brasileiro. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Wang Wenbin, reagiu dizendo que "se opõe a qualquer tentativa de politizar ou estigmatizar o vírus".

A indisposição gerada pelas declarações de Bolsonaro veio num momento em que metade das capitais brasileiras registram falta de doses da CoronaVac, produzida pelo Butantan, para aplicar a injeção de reforço nos grupos prioritários. Ao ser questionado sobre as declarações do presidente, Wang disse que o vírus é "um inimigo comum da Humanidade" e evitou citar o nome de Bolsonaro.
"A tarefa urgente de agora é todos os países se juntarem em uma cooperação antiepidemia e em um esforço para uma vitória antecipada e completa sobre a pandemia. Nós nos opomos firmemente a qualquer tentativa de politizar e estigmatizar o vírus", destacou.

O presidente classificou o novo coronavírus como um vetor de uma suposta guerra biológica para que a China obtivesse vantagens diante do enfraquecimento da economia das demais nações do planeta. "É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou nasceu porque um ser humano ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual o país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês", disse Bolsonaro, referindo-se à China.

Má repercussão

Dimas Covas afirmou que as declarações repercutiram mal em Pequim e que resultaram em lentidão no envio do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), além de autorizações da exportação de menor quantidade do material para a produção de doses. Ele destacou, ainda, que o país pode ficar sem doses da CoronaVac a partir do dia 15.

"Existe dificuldade. Há uma burocracia mais lenta e há autorizações reduzidas de volumes (do IFA). Essas declarações têm impacto e ficamos à mercê. Não vamos ter, de fato, condições de entregar. Pode faltar? Pode faltar. E temos que debitar isso, principalmente do governo federal, que tem remado contra", acusou. A expectativa é de que o primeiro lote com 46 milhões da CoronaVac seja entregue até o próximo dia 12, e outras 54 milhões de doses até 30 de agosto.

Procurada pelo Correio para comentar as declarações de Bolsonaro, a Embaixada da China informou que "já fez a gestão do assunto junto à parte brasileira". Sobre o eventual atraso do envio de IFA e redução na quantidade do insumo ao Brasil, a representação diplomática não se manifestou.