Correio Braziliense, n. 21174, 15/05/2021. Política, p. 2

Vitória parcial para o governo
Augusto Fernandes
Jorge Vasconcellos


O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu parcialmente a um habeas corpus protocolado pela Advocacia-Geral da União (AGU) pedindo que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello permanecesse em silêncio no depoimento à CPI da Covid, no Senado, marcado para quarta-feira. Conforme a decisão do magistrado, o general poderá se negar a dar respostas que venham a incriminá-lo, mas continuará obrigado a revelar "tudo o que souber ou tiver ciência" sobre fatos relacionados a terceiros.

No pedido à Corte, a AGU alega que a maioria dos membros da CPI tem adotado uma postura de induzir as testemunhas a darem declarações indicando falhas do presidente Jair Bolsonaro e de outros integrantes do Executivo no combate à pandemia. Dessa forma, por entender que o ex-ministro poderia ser coagido pelos parlamentares, inclusive com o risco de ser preso em flagrante, o órgão pediu que ele tivesse a opção de ficar em silêncio.

Ao conceder o direito a Pazuello, Lewandowski justificou que a presença do ex-ministro na CPI, ainda que na qualidade de testemunha, tem o potencial de repercutir em sua esfera jurídica, ensejando a ele um possível dano. De acordo com o ministro do STF, "a circunstância de o paciente responder a um inquérito criminal sobre os mesmos fatos investigados pela CPI empresta credibilidade ao receio de que ele possa, ao responder determinadas perguntas dos parlamentares, incorrer em autoincriminação, razão pela qual se mostra de rigor o reconhecimento de seu direito ao silêncio".

"Por isso, muito embora o paciente tenha o dever de pronunciar-se sobre os fatos e acontecimentos relativos à sua gestão, enquanto ministro da Saúde, poderá valer-se do legítimo exercício do direito de manter-se silente, porquanto já responde a uma investigação, no âmbito criminal, quanto aos fatos que, agora, também integram o objeto da CPI", argumentou o magistrado. Segundo a decisão, o ex-ministro não poderá ficar em silêncio quando for perguntado sobre assuntos que envolvam outras pessoas.

Para a maioria dos titulares da CPI, formada por senadores de oposição e independentes, os esforços do governo para silenciar Pazuello refletem temor de que o general possa revelar eventuais interferências de Bolsonaro nas ações do Ministério da Saúde na crise sanitária.

Segundo eles, Pazuello, além de ser o ministro da Saúde que mais tempo ocupou o cargo neste governo — 10 meses —, é fundamental para esclarecer se a pasta não atendeu adequadamente aos vários alertas sobre a escassez de oxigênio na rede de saúde de Manaus. Em janeiro deste ano, mais de 30 pacientes com covid-19 morreram pela falta do insumo.

O general também tem informações importantes sobre as causas da demora do governo para adquirir vacinas contra o novo coronavírus. Em outubro de 2020, logo depois de anunciar a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac, imunizante produzido pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, Pazuello foi desautorizado por Bolsonaro a fechar o negócio. Na ocasião, num vídeo em que os dois aparecem juntos, o então ministro disse que não havia problemas pela reprimenda pública, porque "um manda, o outro obedece".

Ofício

Horas antes da decisão de Lewandowski, Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, enviou ofício ao magistrado pedindo que ele rejeitasse o habeas corpus. No texto, o parlamentar afirmou que, ao recorrer ao Supremo, o ex-ministro da Saúde pode estar "querendo proteger possíveis infratores".
O senador disse, também, que "negar-se a responder à CPI equivale a esconder do povo brasileiro informações cruciais para compreender momento histórico, responsabilizar quem tenha cometido irregularidades e evitar que se repitam os erros que levaram à morte de quase meio milhão de brasileiros inocentes, até agora".

Na opinião do senador Humberto Costa (PT-PE), titular da CPI, o temor do governo com o depoimento do general se deve ao fato de ele ter informações sobre ingerências de Bolsonaro na pasta. "Eu acho que é um receio importante, porque o Pazuello, na hora em que sentar ali, quem vai estar sentado é Bolsonaro. À frente do ministério, Pazuello não fez nada, não tomou nenhuma iniciativa, não tomou nenhuma decisão que não tivesse partido de Bolsonaro", enfatizou.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), suplente da comissão, disse que, mesmo com o silêncio do ex-ministro, o colegiado poderá esclarecer os fatos com outros depoimentos e provas que serão colhidos durante as investigações. "A concessão do habeas corpus está dentro da linha da jurisprudência do Supremo; é um direito do cidadão buscar esse tipo de proteção, especialmente o cidadão que tem muita coisa a esconder", alfinetou.