O Estado de S. Paulo, n. 46580, 29/04/2021. Política, p. A4

CPI da Covid ativa milícias digitais a favor do governo

Vinícius Valfré
Marcelo de Moraes
Lauriberto Pompeu



Com o governo Jair Bolsonaro no foco da CPI da Covid, senadores que integram o grupo dizem ser alvo de uma campanha orquestrada de ataques virtuais que tem como origem milícias digitais ligadas ao bolsonarismo. As mensagens incluem desde a disseminação de fake news, como a publicação de declarações descontextualizadas, até ameaças veladas. Em outra frente, parlamentares passaram a receber “dossiês” apócrifos contra adversários políticos do presidente em seus gabinetes.

Nas primeiras 24 horas após a abertura da comissão, anteontem, posts no Facebook com o termo “CPI da Covid” alcançaram mais de 3 milhões de interações (curtidas, comentários e compartilhamentos). Um monitoramento via Crowdtangle indicou que os mais populares partiram de bolsonaristas investigados por compartilhamento de fake news, como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que iniciou uma cruzada nas redes e na Justiça para barrar a participação de Renan Calheiros (MDB-AL) na comissão. Crítico do governo Bolsonaro, o senador foi designado relator da CPI.

“Você não imagina quantas mensagens grosseiras eu recebi ao longo desses dias. Coisas grosseiras, ameaças perguntando se eu gostava da minha família, xingamentos. É um volume atípico, com robôs. Pagam para fazer isso”, afirmou o senador Otto Alencar (PSD-BA), que se define como independente.

Por trás de algumas publicações relacionadas à CPI também estão nomes ligados ao chamado “gabinete do ódio” do Palácio do Planalto. Revelado pelo Estadão em setembro de 2019, o núcleo costuma dar as diretrizes da atuação digital de bolsonaristas e é influenciado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

O assessor especial da Presidência Tercio Arnaud Tomaz é um dos nomes do grupo. Tércio usou o Twitter para se referir ao ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta como “genocida”, uma vez que, em várias ocasiões, ele recomendou que pessoas com sintomas leves ficassem em casa, seguindo o que diziam autoridades sanitárias no início da pandemia. A postagem do assessor de Bolsonaro teve mais de 10 mil compartilhamentos.

Em sua primeira reunião de trabalho, marcada para hoje, a CPI deve analisar um requerimento do senador Humberto Costa (PT-PE) que pede a convocação de três integrantes do “gabinete do ódio”. Além de Tércio, o pedido inclui José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz, todos assessores da Presidência da República. O requerimento é ancorado em informações de que esses auxiliares são operadores informais das redes bolsonaristas. O requerimento entra no escopo da investigação sobre a atuação da área de comunicação do governo, suspeita de desinformar e agir contra as medidas de contenção da pandemia.

Além dos ataques virtuais, Mandetta também passou a ser alvo de “dossiês” apócrifos entregues nesta semana em gabinetes do Congresso. Procurado, ele não quis se manifestar sobre o assunto. O Estadão apurou que ao menos três parlamentares receberam envelopes com dados sobre a gestão do ex-ministro e possíveis irregularidades envolvendo contratações da pasta. Embora evitem apontar os autores, senadores que tiveram acesso ao conteúdo, e pediram para não ter os nomes revelados, afirmaram que apenas pessoas com informações internas do governo poderiam produzi-los.

Mandetta será ouvido pela CPI na próxima terça-feira. No mesmo dia, o ex-ministro da Saúde Nelson Teich também deve depor. Eduardo Pazuello, que deixou a Saúde em março, ficará para quarta-feira e o atual ministro, Marcelo Queiroga, para quinta. O ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten está na mira da CPI para ser ouvido na semana seguinte. O cronograma de trabalho foi definido, na noite de ontem, em reunião de senadores na casa do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), e será apresentado para votação na sessão de hoje.

Estratégia. Chefiada pelo general Luiz Eduardo Ramos, a Casa Civil tem coletado informações em várias áreas, sob o argumento de que se trata de uma estratégia para defender o governo na CPI da Covid. A Secretaria de Governo, comandada por Flávia Arruda, também ajuda senadores aliados na comissão com dados e orientações sobre quem convocar .

A articulação de bolsonaristas nas redes sociais vem sendo acompanhada de perto por Renan e discutida com outros integrantes da comissão. O relator da CPI escalou sua equipe para produzir e apresentar ao colegiado relatórios periódicos sobre o que realmente é debatido pela opinião pública nas redes sociais. A interlocutores, ele disse que sua intenção é permitir que “ninguém seja influenciado pelo gabinete do ódio” e que os senadores “não apanhem calados”.

O modelo é uma adaptação de um sistema usado pela Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, que serve para filtrar comentários e pressões das redes usando uma espécie de checador. Esse aplicativo leva em conta o comportamento dos perfis, o tipo de postagem, o tipo de nome e a participação nos temas.

Eleito vice-presidente da CPI, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também identificou o acirramento nos ataques virtuais. Um levantamento da assessoria do parlamentar aponta que postagens críticas subiram 40% em relação ao ano passado. Em alguns casos, incluem frases como “Deus tenha misericórdia de você” e “Você não tem medo, não?”. “E é sempre à noite. Acho que tem um horário que os robôs saem e aumentam os níveis das agressões”, afirmou Randolfe. / Colaborou Daniel Weterman