Título: Guerrilha humilha poder americano
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Fonte: Jornal do Brasil, 15/10/2004, Internacional, p. A-7
Grupo do jordaniano explode dois homens-bomba dentro da Zona Verde, o ultrafortificado QG dos EUA em Bagdá
Num dos mais duros golpes contra a estratégia americana no Iraque, dois terroristas suicidas conseguiram passar por todas as barreiras de segurança e se explodiram dentro da ultrafortificada Zona Verde de Bagdá, quarteirão onde ficam os comandos militares e a embaixada dos EUA e a sede do governo interino iraquiano. A área, segundo os americanos e o próprio presidente George Bush, era considerada até agora a mais segura do país.
Pelo menos 10 pessoas morreram - além dos suicidas - entre elas quatro mercenários americanos e seis iraquianos. Outras 21 ficaram feridas: 13 militares iraquianos, três civis e dois marines. O atentado foi assumido pelo grupo do jordaniano Abu Musab Al Zarqawi, ligado à Al Qaeda e principal inimigo da ocupação.
O que tornou o ataque de ontem humilhante foi o fato de os acessos à zona serem controlados por sucessivas barreiras com policiais iraquianos, guardas de segurança e soldados, que revistam todos que querem passar. Isso torna mais difícil ainda compreender como os explosivos e os rebeldes puderam chegar até lá.
- Dois jovens de uns 20 anos, com mochilas pretas, se instalaram numa mesa - relatou Abdel Razzak Mohammad, 32 anos, garçom no café onde um dos dois atentados foi cometido (o outro foi em uma loja de souvenires). Um colega disse ter perguntado se eram iraquianos.
- Um deles disse que não, que eram jordanianos - descreveu Mohammad, que só escapou por ter ido ao banheiro.
- Era a primeira vez que víamos estes dois homens. Eles não tinham cartões de identificação - estranhou o garçom, evidenciando ainda mais a falta de controle. Um deles, com uma camisa amarela, falava sobre ''uma lavagem cerebral e o que devia fazer''.
- Ele saiu e cinco minutos depois, ouvi a explosão - contou Mohammad. As autoridades não conseguiram determinar se o homem havia colocado a mochila-bomba na loja de souvenires Vendors Alley, onde houve a primeira explosão, ou se a havia detonado no corpo.
O café Green Zone foi destruído. A grande barraca metálica cor de laranja montada sobre um antigo posto de gasolina, ficou repleta de vidro, pedaços de metal e sangue. Mohammed Nawaf al-Obeidi, 25, dono do restaurante Mo's, que fica ao lado, contou o drama na hora do atentado.
- As pessoas se atropelavam tentando achar uma saída - descreveu, mostrando a mão direita enfaixada.
O Departamento de Estado informou que quatro dos mortos eram americanos da empresa DynCorps, firma de segurança privada que oferece proteção a civis. Dois funcionários do departamento também ficaram feridos, sem gravidade.
O grupo Monoteísmo e Jihad, de Zarqawi, reivindicou os ataques, cometidos na véspera do Ramadã (o mês sagrado do islamismo) em comunicado publicado em um site islâmico, confirmando que haviam sido praticados por suicidas. O governo interino iraquiano prometeu caçar os terroristas, embora a demonstração de audácia tenha servido para indicar o grau de organização de um lado e de desorganização do outro. O rebelde, cuja cabeça vale prêmio de US$ 25 milhões, recebeu um troco pouco depois, quando aviões dos EUA iniciaram um ataque a Faluja, reduto sunita e bastião da guerrilha.
O bombardeio, iniciado de manhã, matou pelo menos cinco pessoas, uma delas um menino de 13 anos, segundo informações do hospital local. Depois dos aviões, a cidade foi invadida por tropas americanas, apoiadas por soldados do novo Exército iraquiano.
A violência crescente está minando os esforços de reconstrução no Iraque e é uma ameaça real aos planos de realização de eleições em janeiro - sem falar no prejuízo para a campanha à reeleição de George Bush à Casa Branca. Ontem, a conta ficou mais pesada depois da declaração do ex-general Anthony Zinni, de que os EUA podem ficar no Iraque pelos próximos cinco ou 10 anos.