O Estado de S. Paulo, n. 46581, 30/04/2021. Internacional, p. A8

Em fase de flexibilização das restrições, Europa registra casos de cepa da Índia



No momento em que a Europa flexibiliza as restrições de movimento e ensaia uma retomada das atividades econômicas, os primeiros casos da variante indiana do vírus começam a aparecer em vários países. Ontem, Alemanha, Itália, Romênia e República Checa confirmaram contaminações com a nova cepa. Espanha e Portugal já haviam relatado infecções na quarta-feira.

“Temos casos isolados na Alemanha”, confirmou ontem Lothar Wieler, diretor da agência de doenças infecciosas do Instituto Robert Koch, sobre a cepa B.1.617. A variante é conhecida como “duplo mutante” – ela contém mutações encontradas na cepa identificada na Califórnia, no início do ano, e na da África do Sul.

Segundo dados do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças, Bélgica, Irlanda, Holanda, Suíça e Reino Unido também relataram casos da variante indiana. A ilha francesa de Guadalupe e a holandesa de Saint Maarten, ambas no Caribe, identificaram casos da nova cepa em viajantes indianos.

O maior temor das autoridades sanitárias é que a variante indiana consiga driblar a imunização das vacinas. Ontem, a direção do Hospital Sir Ganga Ram, de Nova Délhi, disse que 37 médicos, que haviam sido vacinados com duas doses, já contraíram covid este mês.

Até o momento, as evidências são inconclusivas sobre a responsabilidade da variante na alta dos casos e os pesquisadores alertam que outros fatores podem explicar a força do surto, que vem deixando os hospitais do país lotados, causando escassez de oxigênio e sobrecarregando os crematórios.

Pesquisadores fora da Índia dizem que os poucos dados disponíveis até agora sugerem que a variante pode ser um fator mais considerável. “Embora seja quase certo que a B.1.617 esteja desempenhando um papel, não está claro o quanto está contribuindo diretamente para o aumento”, disse Kristian Andersen, virologista da Instituto de Pesquisa Scripps, de San Diego, EUA.

Além da variante, os cientistas acreditam que existam outros fatores que podem estar impulsionando o surto na Índia. Um deles é a campanha de vacinação, que imunizou apenas 2% da população. Especialistas também culpam os erros do primeiro-ministro Narendra Modi, que promoveu aglomerações em comícios e enviou aos indianos a mensagem de que o pior já havia passado. “As eleições, os festivais religiosos e vários outros setores se abriram rápido demais”, disse Sujatha Rao, ex-secretária do Ministério da Saúde. “Foi um erro muito grave e estamos pagando um preço muito caro por esse descuido.”

Para Jeffrey Barrett, diretor do Instituto Wellcome Sanger, do Reino Unido, é precipitado dizer que a B.1.167 é a explicação para o que está acontecendo na Índia. “Há outras razões que são provavelmente mais lógicas para a alta de casos”, afirmou.

A pandemia na Índia vem piorando a cada dia. Ontem, as autoridades relataram dois novos recordes: mais de 3,5 mil mortes e 386 mil casos em 24 horas. Especialistas, no entanto, acreditam que os números reais sejam ainda mais assustadores. O medo da reação popular pode estar fazendo com que políticos e administradores de hospitais estejam subnotificando o número de mortos. Parentes das vítimas também estariam escondendo a ligação das mortes com a covid, muitas vezes por vergonha.

Modi tem sido criticado pela resposta à pandemia. E seu governo tem feito de tudo para abafar os comentários negativos. No início da semana, a pedido do governo, o Twitter removeu postagens críticas à gestão da pandemia. Na quarta-feira, a hashtag pedindo a renúncia de Modi foi temporariamente bloqueada no Facebook, escondendo mais de 12 mil postagens críticas ao governo. Os usuários que pesquisavam pela hashtag recebiam uma mensagem dizendo que as postagens estavam “temporariamente indisponíveis” porque o conteúdo era contrário às “regras da comunidade”. / AP, AFP, NYT e REUTERS

Avanço

"Embora seja quase certo que a B.1.617 desempenhe um papel, não está claro o quanto ela está contribuindo para o aumento"

Kristian Andersen

Virologista

"As eleições, os festivais religiosos e vários outros setores se abriram rápido demais"

Sujatha Rao

Ex-Secretária de Saúde