Correio Braziliense, n. 21174, 15/05/2021. Economia, p. 8

"Negar a ciência é negar o futuro"
Entrevista: Mercedes Bustamante


Uma das maiores autoridades do país em mudanças climáticas, a pesquisadora Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB), alerta que o Brasil precisa retomar as políticas públicas de conservação ambiental para, também, beneficiar a economia. Integrante da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (EUA), ela faz parte da lista dos 18 brasileiros mais citados, em 2020, no portal Web of Science, que divulga os nomes dos pesquisadores mais mencionados em trabalhos científicos no mundo. Mercedes Bustamante foi a entrevistada, ontem, no programa CB.Agro, uma parceria do Correio Braziliense e da TV Brasília.  Veja os principais pontos:

Que riscos as questões climáticas trazem para todos e, sobretudo, para a economia? 

O aquecimento global e as mudanças climáticas são o maior desafio da humanidade nas próximas décadas. O clima afeta a nossa vida como um todo, e impacta fortemente a economia. No caso do Brasil, basta pensar na importância que a agricultura tem para a economia, ou nas usinas elétricas. 

A agricultura brasileira supre boa parte da demanda mundial por alimentos, mas existe também a questão do desmatamento. É possível ter uma agricultura sustentável?

Com certeza. O Brasil já mostrou, em passado recente, ser capaz de controlar o desmatamento. É preciso retomar as políticas públicas de controle e fiscalização dos crimes ambientais. E criar incentivos para adesão de agricultores a práticas de sustentabilidade. É preciso, ainda, ter uma vontade política clara, uma coordenação central em que o discurso é muito importante.

Quando a senhora fala em resgatar políticas, o que significa? O que aconteceu?

Em particular, no caso da Amazônia, o Brasil tinha um programa, integrado do controle de desmatamento, chamado PPCDAm, que juntava vários ministérios, governos estaduais e municipais, e trabalhava de forma integrada com diversos setores. Em 2012 e 2013, nós tivemos uma redução acentuada do desmatamento. A partir de 2014, a curva voltou a subir.

Grandes redes de varejo da Europa vêm anunciando a suspensão de compras dos produtos brasileiros, devido ao desmatamento. O que fazer para reverter essa situação?

Nas discussões do Fórum Econômico Mundial, a mudança climática é um dos temas de maior destaque e considerada um risco para atividade econômica. Mas é importante destacar que o controle do desmatamento favorece, em primeiro lugar, o Brasil e a população brasileira. Dependemos da preservação do cerrado, da Amazônia e da caatinga, para a nossa qualidade de vida. Conservar também é produzir. A conservação ajuda a produzir água, conserva o solo, tudo isso faz parte do sistema.

A falta de preocupação com o meio ambiente bate no bolso do consumidor, não?

Sentimos isso de várias formas. No Distrito Federal, por exemplo, tivemos em 2016 uma enorme crise hídrica. Quando há uma quebra de safra com a redução do período chuvoso, isso impacta toda a cadeia produtiva e chega ao supermercado, onde a gente paga por tudo. Se tem uma seca, a conta de água aumenta. Como a maior parte da nossa geração de energia vem de usinas hidrelétricas, é preciso acionar termelétricas, que usam combustíveis fósseis, e o preço da energia sobe. 

Como vê o papel da ciência neste momento em que há ataques contra ela, cortes de verbas nas universidades, com profissionais e pesquisadores desmotivados?

Negar a ciência é negar o futuro. O mundo inteiro está se voltando para novas formas de produzir e trabalhar. Como vamos nos preparar para essa comunidade global? Precisamos de uma educação forte para preparar nosso capital humano para as demandas do futuro. E de ciência para gerar nossas soluções internas. Vimos isso de forma clara na pandemia. Dependemos de cadeias de suprimentos distribuídas pelo mundo inteiro. A ciência é a base do processo de inovação.