O Estado de S. Paulo, n. 46582, 01/05/2021. Política, p. A10

“Pré-candidatos”, senadores tentam levar rivais à CPI

Vinícius Valfré


A CPI da Covid corre o risco de ser contaminada por disputas regionais travadas por senadores que são pré-candidatos a governos estaduais e tentam responsabilizar adversários pela crise. Integrante da comissão, Eduardo Girão (Podemos-ce), possível candidato no Ceará, apresentou requerimento para convocar o ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio (PDT), seu virtual oponente em 2022. Além dele, outros cinco parlamentares podem concorrer no próximo ano e, como membros da CPI, têm poder para interrogar desafetos.

Os cálculos eleitorais já foram detectados e começam a incomodar. Senadores apontam "obsessão" de parlamentares em convocar rivais. Relator da CPI, Renan Calheiros (MDBAL) expôs a estratégia na reunião de anteontem. "Não vamos transformar essa CPI em batalha eleitoral. Se alguns dos senhores têm problemas nos Estados, precisam ter fato determinado para isso", disse Renan.

Ao justificar o pedido de convocação do adversário, Girão alegou que a gestão do ex-prefeito foi alvo de operação, em junho, que apura fraudes na compra de equipamentos para hospitais. O senador também quer interrogar outros dois aliados de adversários: a ex-secretária de Saúde de Fortaleza e o chefe da pasta no governo de Camilo Santana (PT). "A CPI está interessada apenas nas questões passíveis de ser investigadas pela CPI", afirmou Girão.

Roberto Cláudio, porém, falou em "proativismo intempestivo" de Girão. "Não houve qualquer mobilização por parte do senador em apoio às medidas locais de isolamento, à aquisição de insumos ou ao trabalho de assistência aos doentes", disse o ex-prefeito ao Estadão.

Pré-candidato ao governo do Piauí, Ciro Nogueira (Progressistas) terá a chance de desgastar a gestão do governador Wellington Dias (PT). Ciro não apresentou requerimento contra o governo local, mas quer aprovar pedidos para que órgãos de investigação entreguem à CPI cópias de inquéritos abertos para checagem da aplicação de recursos na pandemia.

O plano de Marcos Rogério (DEM-RO), vice-líder do governo, para levar a investigação a outros Estados também chamou a atenção. Ele quer convocar quatro governadores (SP, BA, PA e AM). Não fez, porém, nenhum pedido às autoridades de Rondônia. O governador é Marcos Rocha (PSL), que, assim como Rogério, é alinhado ao Planalto. Ambos buscam apoio de Bolsonaro, em 2022. O pré-candidato em Santa Catarina Jorginho Mello (PL) é outro governista que pode desgastar ainda mais um rival – o governador Carlos Moisés (PSL), já alvo de pedido de impeachment.

A CPI também ainda um précandidato ao governo do Amazonas, Eduardo Braga (MDB). O colapso em Manaus é objeto da investigação do colegiado e pode desgastar seu rival, o governador Wilson Lima (PSC). O sexto titular com pretensões eleitorais é Randolfe Rodrigues (Rede-ap), que trabalha com a perspectiva de ver o avanço da CPI provocar impacto na campanha de adversários no Amapá. Ele é rompido com o governador Waldez Goés (PDT).

'Isenção'. Em nota, Jorginho Mello afirmou que sua atuação na CPI será pautada pela "isenção". Disse, ainda, que os eventuais convocados serão ouvidos "de forma imparcial". Marcos Rogério declarou que seu critério foi focar em Estados "onde a situação tem maior influência na questão nacional". "Tudo aqui precisa ser bem fundamentado e sem açodamento." Os demais senadores mencionados não se manifestaram.