Título: Linha férrea vira área de conflito
Autor: Ana Paula Verly
Fonte: Jornal do Brasil, 27/04/2005, Rio, p. A13
Trem de carga para Porto do Rio passa a menos de trinta centímetros de casas em favelas e fica à mercê de saqueadores
O perigo tem dois lados. O trem de carga que atravessa duas favelas do Complexo de Manguinhos está sendo alvo de investigação por uma comissão da Câmara, devido à arriscada proximidade da linha férrea de diversas residências. Algumas casas estão a menos de trinta centímetros das lombadas, gerando perigo de morte para cerca de 300 famílias. Por outro lado, saques dentro das favelas, muitos deles orquestrados por traficantes de drogas, estão afetando o movimento de cargas para o Porto do Rio e trazendo altos riscos para a competitividade das docas cariocas. Os saqueadores aproveitam justamente o fato de o trem ter de circular em baixa velocidade ao transitar perto de casas. Ontem deputados da Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara fizeram vistoria no trecho da ferrovia. Eles vão entregar um relatório ao Ministério das Cidades, à Caixa Econômica Federal, à Prefeitura do Rio e ao governo do estado. Empresários, autoridades e representantes sindicais participaram da vistoria.
- A invasão da linha do trem é um problema grave. As casas ficam a 30 centímetros de onde passam os vagões, quando o ideal seria 15 metros. Já precisamos pedir licença ao dono de uma casa para colocarmos um dormento (peça que fixa o trilho) na linha - alerta Julio Fontana, presidente da MRS Logística, concessionária da ferrovia que dá acesso ao Porto.
Cerca de duas mil pessoas habitam o trecho, que corresponde a quase três quilômetros - da Avenida Brasil até a Avenida Dom Hélder Câmara, antiga Suburbana.
- A linha auxiliar já foi invadida. Se essa também for, o transporte feito pelos 120 vagões que passam diariamente no local terá que ser transferido para as rodovias - alerta o deputado Julio Lopes (PP), presidente da comissão, acrescentando que o reassentamento das famílias deve custar cerca de R$2 milhões e poderá acontecer em um terreno cedido pela Aeronáutica, próximo ao Caju.
A ocupação da margem faz com que os trens se desloquem em baixa velocidade - entre cinco e 10 quilômetros por hora, quando poderia atingir 90 -, o que facilita os saques e encarece o valor do transporte.
- Todos esses problemas vão desaguar no porto, pois aumenta o valor dos seguros das cargas, levando os empresários a optarem por outros portos, gerando perda de arrecadação de impostos e de novos empregos - explica o presidente do Sindicato dos Conferentes, Mayo Uruguaio Fernandes.
De acordo com o presidente da MRS Logística, Julio Fontana, no ano passado o Porto do Rio movimentou 1,5 milhão de tonelada.
- É um valor insignificante. Levando-se em conta sua excelente localização, deveria ser pelo menos cinco vezes maior. Poderíamos estar aproveitando o crescimento das exportações, transportando mais, trazendo novos tipos de carga e diminuindo o Risco Brasil - lamenta Fontana, informando que pela ferrovia são transportados principalmente minério de ferro, além de aço, açúcar e cimento.
No início do mês, a comissão entregou à Polícia Federal um relatório preliminar pedindo auxílio na investigação dos saques e possíveis sabotagens.
- Quando há acidente, acontece saque. Mas, algumas vezes, crianças são colocadas nos trilhos para obrigar os trens a pararem - disse Lopes.
Para Jader Machado, delegado titular da delegacia de Bonsucesso, onde ocorre a maioria dos casos, traficantes estão por trás dos saques:
- Tudo que acontece em favelas tem a mão do tráfico. É preciso reunir as ocorrências em uma única delegacia para agilizar o mapeamento e a identificação dos envolvidos.