Título: Aborto de feto sem cérebro: STF sinaliza com liberação
Autor: Luiz Orlando Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 28/04/2005, País, p. A5

Tribunal acata ação e ministros já antecipam votos favoráveis

O Supremo Tribunal Federal sinalizou ontem que vai considerar isenta de pena a gestante que fizer aborto em caso de feto anencefálico (ausência de cérebro), equiparando a prática às duas exceções já previstas no Código Penal: se ''não há outro meio de salvar a vida da gestante'' ou se a gravidez resulta de estupro. Por sete votos a quatro, o tribunal, em sessão que durou mais de cinco horas, considerou admissível, em julgamento de questão de ordem, a ação de ''argüição de descumprimento de preceito fundamental'' (Adpf) proposta pela Confederação Nacional de Trabalhadores na Saúde.

Com isso, o STF vai julgar o mérito do polêmico assunto numa próxima sessão, mas pelo menos cinco ministros já adiantaram de uma forma ou de outra- ontem e em etapas anteriores do julgamento da ação - seus pontos de vista favoráveis à pretensão da CNTS: o relator Marco Aurélio, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Sepúlveda Pertence e Celso de Mello.

O longo debate na sessão de ontem do Supremo teve como base a interpretação de uma lei que regulamentou esse tipo de ação de inconstitucionalidade que é a Adpf. Segundo o principal dispositivo da lei, só cabe Adpf ''quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal''.

Os ministros Marco Aurélio, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim entenderam que a ação da CNTS era ''adequada'' e ''cabível'', porque provocava o Supremo a se posicionar sobre ''controvérsia fundamental'', tendo em vista os princípios constitucionais da ''dignidade humana'', da ''liberdade e autonomia da vontade'' e do ''direito à saúde'' (no caso, a saúde psíquica da mulher).

Ayres Britto procurou demonstrar que se o Código Penal não considera homicídio o aborto praticado quando ''não há outro meio de salvar a vida da gestante'', não se poderia deixar de lado ao grave perigo de saúde da gestante derivado do ''abalo moral e psíquico'' de dar à luz ''um produto da concepção que não é completo e, portanto, não totalmente humano''. Citou os versos de ''Pedaço de mim'', de Chico Buarque: ''A saudade é o revés de um parto/ A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu''. E comentou que, no caso do feto se cérebro, ''não havendo um ser completo, não há quarto preparado para o bebê, mas uma simples mortalha''.

Gilmar Mendes considerou que a argüição de descumprimento de preceito constitucional era cabível porque estava em jogo, além de princípios fundamentais da Constituição, ''a segurança jurídica''. A seu ver, o STF como Corte Constitucional pode se antecipar a instâncias inferiores quando está em causa um princípio fundamental. Na mesma linha - e antecipando o seu voto no mérito - Celso de Mello ressaltou que a incidência de pena nos casos de ''antecipação do parto'' em casos de fetos anencefálicos é ''desproporcional e inconstitucional''.

Votaram contra o recebimento da ação os ministros Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Carlos Velloso, na linha de que só o Legislativo poderia - via lei ordinária - acrescentar ao Código mais uma exceção aos casos de aborto consentido. Peluzo destacou que a lei regulamentadora da Adpf refere-se a ''controvérsia sobre caso concreto'', ou seja, a conflito de decisões judiciais sobre questão relevante de fundo constitucional. E acrescentou que ''a vida intrauterina é também um valor constitucional''.

Ellen Gracie sublinhou que a ação da CNTS era uma ''via tortuosa'' para enfrentar o tema do aborto, mas disse que não ia entrar no mérito da questão, que deveria ser enfrentada pela sociedade e pelo Congresso. O relator da ação, Marco Aurélio, informou, após a sessão, que vai manter a sua idéia de convocar audiência pública para ouvir entidades interessadas no assunto, antes do julgamento do mérito.