Título: A pobre educação dos pobres
Autor: Jorge Werthein*
Fonte: Jornal do Brasil, 28/04/2005, Outras Opiniões, p. A9

Não há país que deixe de enfrentar grandes desafios e complexos problemas. Estes têm a vantagem de provocar, puxar os brios e colocar em marcha soluções à altura. Pequenos desafios conduzem a modestas respostas. Jovens de países que vivem o bem-estar social não raro se sentem desestimulados e lançam o olhar para outras partes do mundo, a fim de fazer algo que dê mais sentido às suas vidas. Assim, é muito positivo contar com extensas e grandiosas tarefas. No Brasil, secularmente, um dos reconhecidos problemas está na educação. Quando a escola passou a existir para muitos, Anísio Teixeira e outros denunciaram a existência da escola para os nossos filhos e da escola para os filhos dos outros. Antes, é claro, os filhos dos outros nem contavam com ela.

A denúncia atravessa os tempos, apesar de realizações de vulto, como a expansão quantitativa das matrículas. Porém, a cada comparação internacional, a cada divulgação dos resultados da educação básica no Brasil, renova-se o constrangimento: agora mesmo, no Pisa 2003, o país continuou nas últimas posições. Doura-se a pílula: o exame detecta o aproveitamento dos alunos de 15 anos de idade. Se não fosse o atraso idade-série, a situação não seria tão ruim, querendo dizer que, ainda assim, é ruim. E não pode mesmo ser boa se, em 2002, a população de 15 anos e mais tinha apenas 6,5 séries completas, isto é, não concluía as oito séries do ensino fundamental obrigatório. É claro que a variação em torno dessa média é muito ampla: nas áreas rurais não passava de 3,6 anos, ou seja, no quadro geral de pobreza, existem os muito pobres.

O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em 2003, revelava-nos que cerca da metade dos alunos que chegavam à quarta série tinha grandes dificuldades em leitura. Pois bem, numa escala de 125 a 375, os alunos das escolas estaduais atingiram a média de 170; os das escolas municipais, 161, e os das escolas particulares 215. Como podemos ver, a tônica geral é a deficiência. Mesmo o que Anísio Teixeira chamava de escola dos nossos filhos (aqueles que podem pagar) não apresentava um desempenho brilhante, até porque, no seu conjunto, as escolas particulares não precisam fazer muito mais, já que as públicas não fazem tanto. Podemos, então, imaginar como vão as escolas dos menos favorecidos. A área rural, por exemplo, é atendida em grande parte pelas escolas municipais e os seus resultados têm sido os mais modestos.

Temos, desse modo, o cruzamento de dois tipos de pobreza: como um todo, comparada internacionalmente, a educação brasileira é pobre e é ainda mais pobre quando oferecida as pobres. A perversidade deste conjunto chama a atenção para o paradoxo de um país que produziu gênios como Paulo Freire e tem uma educação marginalizadora.

Todo mês de abril a Unesco lembra os compromissos da Educação para Todos, caminho para um mundo mais igualitário e justo. A Educação para Todos congrega os países em torno de metas, como a educação de qualidade para crianças e adultos, sobretudo os mais vulneráveis. Este ano a ênfase da campanha está precisamente nas populações socialmente menos privilegiadas. Elas não precisam de caridade ou de padrões menos exigentes. Isto elas até já podem ter. Na verdade, elas necessitam de atenção e enfoques especiais que as conduzam, com dignidade, aos mesmos pontos de chegada, definidos para a escola. Ainda que caminhos diferentes tenham que ser trilhados.

As tarefas não são fáceis. Não é possível ter um país fraturado por uma educação pobre, sobretudo para os mais pobres. Todavia, o Brasil conta com os recursos, a capacidade e a consciência de lhes fazer face. Enormes são o seu território, as suas riquezas e a sua generosidade. Aos grandes desafios, a oportunidade histórica das grandes respostas.

*Jorge Werthein é representante da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil