Título: Pesquisa avança para vacina viável
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Fonte: Jornal do Brasil, 15/10/2004, Ciência, p. A-12

Estudo constatou eficácia em tratamento experimental aplicado a 2 mil crianças africanas

Depois de 50 anos de tentativas infrutíferas, uma vacina contra a malária pode estar mais próxima, reduzindo a ameaça de uma doença que atinge 500 milhões de pessoas por ano e mata entre 1 e 5 milhões de pessoas, a maioria bebês e mulheres grávidas, todos os anos. Pela primeira vez, pesquisas feitas com 2.022 crianças africanas entre um e quatro anos demonstraram que é possível produzir uma vacina que as protege contra infecções e faz da ameaça da malária algo menos sério e de tratamento mais fácil.

Os resultados do estudo, que já é uma segunda etapa do trabalho e foi realizado no Sul de Moçambique, estão na revista médica The Lancet. Na região, cada pessoa recebe, em média, 38 picadas de mosquitos infectados com a malária a cada ano. Os pesquisadores centraram a atenção no Plasmodium Falciparum, conhecido como a malária maligna pela sua agressividade.

O médico Pedro Alonso, do Centro de Saúde da Universidade de Barcelona e um dos pesquisadores participantes, disse que, embora a proteção dada às crianças tenha sido parcial, os resultados mostraram que o desenvolvimento da vacina é viável.

O principal dado da pesquisa indica que as crianças vacinadas tiveram 30% a menos de episódios de malária clínica (que necessita tratamento), no fim dos seis meses da pesquisa, que as não vacinadas. Em 45% delas, foi eficiente em estender o intervalos entre as infestações. E 58% delas se tornaram mais resistentes ao tipo de malária que pode matar. Os pacientes foram submetidos à vacinação por três meses e acompanhados por outros seis.

A próxima fase de testes da RTSS/AS02A deverá ser iniciada em breve, reunindo um grupo maior de pacientes em oito a 10 países africanos. Os pesquisadores acreditam que, se tudo correr bem daqui para a frente, a vacina será licenciada em 2010.

O progresso nas pesquisas se deve ao apoio da fundação mantida pelo bilionário Bill Gates e sua mulher, Melinda. A RTSS/AS02A foi descoberta pela GlaxoSmithKline Biologicals e é uma das várias possibilidades que estão sendo financiadas pelo grupo apoiado por Gates, Malaria Vaccine Initiative (MVI).

- Os resultados mostram que a descoberta pode se tornar parte do esforço mundial para manter crianças e suas famílias longe dos efeitos devastadores da doença. Trata-se de um passo importantíssimo rumo ao licenciamento - celebrou Melinda Moore, que trabalha no MVI.

Mas apesar do otimismo dos cientistas, pode levar mais tempo para que isso aconteça. Outras vacinas - mais notadamente uma, denominada SPf66, desenvolvida pelo colombiano Manuel Patarroyo - também se mostrou promissora nessa fase, mas acabou trazendo resultados desanimadores.

A SPf66 pareceu funcionar bem em laboratório e em testes com animais, mas nas pesquisas com seres humanos, primeiro em Gâmbia e na Tanzânia - com o apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS) - e depois na Tailândia - com suporte dos militares americanos - não revelou proteção contra a doença.

Uma explicação está na complexidade genética do plasmódio, o que leva muitos cientistas a duvidarem que a vacina baseada em um só antígeno poderá ser eficiente.

Em um comentário publicado na revista junto com o estudo, dois pesquisadores, Philippe van de Perre e Jean-Pierre Dedet, da Universidade de Montpellier, na França, disseram que não há razão para se acreditar que as coisas agora serão mais fáceis.

''O caminho até a vacina segura e eficiente para uso em larga escala será longo e caótico. Mais do que nunca as milhares de mulheres e crianças que sofrem com a moléstia precisam que esse compromisso mundial seja mantido'', escreveram. Ainda assim, o resultado foi comemorado pelas autoridades.

- Isso indica que um medicamento efetivo é possível e poderia potencialmente salvar milhões de crianças - acrescentou a médica Marie-Paule Kieny, da OMS.

A pressa dos autores do estudo se explica. A expansão da malária está se acelerando e os tratamentos comumente usados até agora já não fazem mais efeito. Os parasitas desenvolveram resistência a drogas como o quinino. Além disso, a epidemia do vírus HIV serviu para enfraquecer ainda mais muitos dos habitantes de regiões onde a malária é endêmica, reduzindo sua capacidade de resistir à infestação.