O Estado de S. Paulo, n. 46588, 07/05/2021. Política, p. A6

Queiroga admite dados ‘inflados’ sobre vacinas

Vinícius Valfré


Em depoimento à CPI da Covid, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, confirmou, ontem, que o governo inflou o volume de doses de vacinas contra a covid-19 efetivamente contratadas, como revelou o Estadão. Queiroga não quis avaliar a insistência do presidente Jair Bolsonaro na prescrição da cloroquina, mas afirmou que a vacinação em massa, o isolamento social e o uso de máscaras são os principais pilares da política sanitária. Na contramão do que diz Bolsonaro, porém, o ministro chegou a defender o lockdown como medida extrema.

“Num município onde o estado epidemiológico está muito grave, pode-se, eventualmente, ter um fechamento maior”, disse o ministro. “Mas não defendo o lockdown nacional.” Nos últimos dias, o presidente tem ameaçado editar um decreto para derrubar medidas restritivas adotadas por governadores e prefeitos, como o lockdown, sob o argumento de que a política do “fecha tudo” e “fica em casa” empobrece o País.

Outro conflito com as posições de Bolsonaro ficou evidente quando Queiroga foi perguntado sobre os riscos das aglomerações. Desde o início da pandemia, o presidente desestimula o distanciamento e ignora recomendações da Organização Mundial de Saúde. “Toda aglomeração deve ser dissuadida, independente de quem faça”, afirmou o ministro. Para ele, a questão do tratamento precoce, com cloroquina, não é decisiva no enfrentamento à pandemia:

“Decisivo é justamente a vacinação, além das medidas não farmacológicas”.

Apesar de serem evidentes as divergências, ele se esquivou de respostas que poderiam sugerir erros do governo e minimizou o negacionismo de Bolsonaro, o que incomodou integrantes da CPI. Nas cerca de 8 horas e meia de interrogatório, o ministro foi acusado de estar “bem treinado” para responder “de maneira evasiva”, emitindo “juízo de valor” apenas em perguntas formuladas por senadores governistas.

Sucessor de Eduardo Pazuello, Queiroga se apegou à hierarquia do ministério para não avaliar a insistência de Bolsonaro na prescrição da cloroquina. Disse que o tema está em discussão na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS e, portanto, não poderia antecipar uma posição. O remédio é usado para doenças como malária, mas não tem eficácia comprovada contra o coronavírus. O interesse de Bolsonaro em ampliar o uso do medicamento sem amparo científico foi tema central dos depoimentos dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Ambos confirmaram a pressão nesse sentido.

Patentes. Queiroga também disse ser contrário à quebra de patentes de vacinas relacionadas à covid-19. O governo de Joe Biden, nos Estados Unidos, decidiu apoiar a suspensão de direitos de propriedade intelectual sobre esses imunizantes.

“Como nosso programa está calcado em vacinas como a Pfizer e Janssen, isso pode interferir negativamente no aporte de vacinas para o Programa Nacional de Imunização”, afirmou Queiroga. O ministro teme que o Brasil “não tenha condições de produzir as vacinas”, mesmo com essa medida. Ele também anunciou que o governo publicou, no Diário Oficial da União, dispensa de licitação para a compra de 100 milhões de doses da vacina da Pfizer.

Divergência

R$ 560 mi

foi o número de doses de vacinas para a covid-19 adquiridas, conforme divulgado em propagandas oficiais pelo Ministério da Saúde.