Correio Braziliense, n. 21179, 20/05/2021. Economia, p. 6

Eletrobras: Câmara aprova privatização
Rosana Hessel


A Câmara dos Deputados aprovou na noite de ontem a Medida Provisória nº 1031/2021, que trata da privatização da Eletrobras, após mais de oito horas de sessão em que a oposição tentou retirar a matéria da pauta. O relatório sobre a MP, apresentado pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) durante a tarde, sofreu uma modificação após a leitura e, às 22h09, uma subemenda substitutiva teve 313 votos a favor e 166 contra. Houve cinco abstenções. Após a aprovação do texto-base, os parlamentares continuaram votando os destaques. A MP também precisa passar pelo Senado.

Durante o debate, parlamentares criticaram o atropelo na tramitação da proposta de privatização por meio de uma MP, sem discussão ampla junto à sociedade por meio de uma comissão especial. Até mesmo líderes de partidos favoráveis à privatização, como o Novo e o MDB, apoiaram uma discussão mais ampla e a manutenção do texto original da MP, e não o apresentado pelo relator, mas sem sucesso. O consenso entre os críticos à proposta é de que texto vai provocar aumento do custo da energia para o consumidor.

A Eletrobras, estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia, responde por 30% da energia gerada no país. A MP recebeu nada menos do que 570 emendas e, de acordo com especialistas, há vários "jabutis" entre elas — emendas que não estão relacionadas ao objeto principal da matéria.

Críticas

O relatório prevê a obrigatoriedade prévia de contratação de usinas térmicas a gás e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) pela União nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. Diante das críticas, Nascimento retirou do parecer o termo "contratação prévia", mas manteve a condicionante do contrato no texto.

Essa exigência é considerada um dos pontos que vai encarecer a tarifa para o consumidor. Analistas e parlamentares destacaram que térmicas a gás precisarão ser construídas em estados onde não há suprimento do combustível, e que essa proposta já havia sido rejeitada na nova lei do gás, aprovada recentemente pelo Congresso.

Nascimento negou que haverá o aumento no custo da energia por conta da medida. "Vamos substituir térmicas a óleo diesel, que custam R$ 1.500 por megawatt/hora (MWh), por térmicas a gás que custam R$ 300 por MWh, ou seja, cinco vezes menos", disse ele, em entrevista ao Correio.

O texto do relator condiciona a contratação pelo poder concedente de 6.000 megawatts (MW) de termelétricas a gás e de, pelo menos, 2.000 MW de PCHs, ambas nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. De acordo com o presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa, a conta de luz poderá ficar mais cara em 10% para o consumidor residencial e em 20% para os grandes compradores de energia. "O custo anual para o consumidor será de R$ 20 bilhões por ano", disse.

"A proposta obriga a contratação de uma energia mais cara do que a que poderia ser comprada no mercado livre por meio das usinas eólicas, por exemplo. Isso será mais uma maldade para com o consumidor. Isso não é um modelo de competição, mas de reserva de mercado e de cota", afirmou Pedrosa.

O relator alega que a recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um encargo setorial pago por todos os brasileiros na conta de luz, vai ser usada para que haja modicidade. Mas, segundo Pedrosa, haverá por esse mecanismo uma redução de apenas 0,5% na fatura do consumidor.

Nos últimos leilões, de acordo com o presidente da Abrace, o custo para a contratação de usinas eólicas e solares acabou sendo um terço do previsto para as termelétricas a gás, abaixo de R$ 100 MWh.

O relator alegou ter acatado emendas da oposição para beneficiar os trabalhadores e as PCHs, mas foi criticado pelos parlamentares da oposição. "Não dá para fugir do debate e afirmar se está defendendo ou não o trabalhador. O texto é ruim e atende ao interesse privado e não ao público", disse o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), líder da minoria.

O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição, reforçou o problema do aumento do custo para o consumidor e para as empresas e alertou para o risco de desindustrialização. "Qual é o sentido de obrigar a contratação de térmicas e a construção de gasoduto? Quem ganha com isso? Não é o Brasil e não é a economia", questionou.

Capitalização

O modelo de privatização da Eletrobras é de capitalização, ou seja, aumento de venda de ações, limitadas a 10% por acionista. A União não poderá participar da operação e terá uma redução da sua fatia de 61% para 45% do capital, mas ficará com direito a uma golden share — ação de classe especial que garante poder de veto em decisões do conselho da companhia. O governo prevê arrecadar R$ 100 bilhões com a operação.

A privatização ainda prevê a renovação de contratos de concessão por 30 anos e a criação de uma nova estatal para administrar a subsidiárias que continuarão sob o domínio da União: a Eletronuclear, controladora das usinas de Angra dos Reis (RJ), e a Itaipu Binacional. O relator prevê que 25% do lucro dessa nova empresa seja destinado para programas sociais. Os outros 75% para a CDE. (Colaborou Israel Medeiros)