Título: Mercado é o melhor regulador
Autor: Omilton Visconde
Fonte: Jornal do Brasil, 15/10/2004, Economia & Negócios, p. A-18
Um amigo me abordou na rua e, indignado, mostrou quatro preços de um medicamento para doenças respiratórias que coletara em quatro farmácias, num raio de 300 metros de sua casa, num bairro nobre de São Paulo. Os preços variavam de R$ 270 a R$ 390 por uma caixa com 60 cápsulas. ¿É um absurdo uma diferença tão grande¿, esbravejou. ¿Por que o governo não tabela os medicamentos?¿, sugeriu. Sem se dar conta, meu amigo acabava de dar o melhor argumento contra o controle rígido de preços. É justamente a concorrência que permite às farmácias disputarem os clientes, reduzirem suas margens de lucros, negociarem com distribuidores e laboratórios e, em conseqüência, oferecerem descontos ao consumidor.
O mercado de medicamentos está mostrando claramente como as coisas devem funcionar. O excesso de oferta aliado ao baixo poder de compra faz com que toda a cadeia, e não apenas as farmácias, se adapte à realidade, como qualquer outro setor da economia. Na maior parte dos casos, os preços são inferiores aos permitidos pelo governo.
O problema é que, quando se fala de televisores, aparelhos celulares, iogurte ou outro produto qualquer, as pessoas aceitam mais facilmente a famosa lei da oferta e procura. Sobe a oferta ou reduz-se a demanda, caem os preços. No entanto, o consumidor e mesmo autoridades desavisadas têm dificuldades em entender que a indústria farmacêutica deve seguir os mesmos parâmetros de outra indústria qualquer se quiser sobreviver e prosperar.
Os medicamentos no Brasil estão entre os mais baratos do mundo, segundo pesquisa feita em 2003 pela IMS Health com 200 medicamentos, em 30 países, a pedido da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma). O estudo mostrou que em apenas quatro nações ¿ Coréia do Sul, Colômbia, Uruguai e Chile ¿ os remédios são mais baratos que no Brasil. O consumidor brasileiro paga, em média, 16 centavos de dólar por cada comprimido, incluindo impostos, o equivalente a 60% do preço médio internacional.
Ao contrário do que muitos imaginam, o governo exerce um forte controle de preços sobre medicamentos. A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão do Ministério da Saúde, estabelece um teto máximo para os preços sugeridos pelos laboratórios, a partir de pesquisa com medicamentos em nove mercados: Estados Unidos, Canadá, Espanha, Austrália, França, Grécia, Itália, Nova Zelândia e Portugal. Invariavelmente, os preços autorizados pelo Ministério ficam abaixo dos praticados nesses mercados.
Além disso, os genéricos, em média 40% mais baratos do que os medicamentos de marca, contribuíram para forçar a queda dos preços ¿ em muitos casos, laboratórios reduzem os preços dos medicamentos de referência para não perder mais participação de mercado. Trata-se de mais uma evidência de que o mercado é o melhor mecanismo para promover o indispensável equilíbrio dos preços. O consumidor lucra com isso. As indústrias, nem tanto, já que seu faturamento caiu de US$ 6 bilhões em 2002 para US$ 5 bilhões em 2003. Com isso, o Brasil passou do 10º para o 14º maior mercado farmacêutico neste período. Com o controle de preços, os investimentos da indústria, de US$ 260 milhões em 1999, caíram pela metade em 2003. Isso significa que o Brasil perdeu recursos em modernização das fábricas e pesquisas.
Além do controle de preços, que, como se vê, tem efeitos colaterais adversos, a indústria brasileira é penalizada com uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo. Em média, o consumidor paga 27% em impostos ¿ coreanos e mexicanos não pagam nada, enquanto nos Estados Unidos os tributos não chegam a 10% do preço do medicamento.
Isso não significa que os medicamentos não possam ser ainda mais baratos. Com uma política ousada e consistente, que visasse melhorar o acesso das populações carentes aos medicamentos, o governo poderia ser um grande comprador de remédios e usar o poder de barganha para reduzir ainda mais os preços, como ocorre em outros países, como a Inglaterra.
A história é pródiga em exemplos de que rígidos controles de preços, em qualquer setor, só conseguem debilitar a indústria sem trazer benefícios para o consumidor.
*Omilton Visconde é presidente do Conselho da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma) e vice-presidente do Sindicato da Indústria e Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo (Sindusfarma)