Título: Chávez faz Rice temer 'marcha a ré'
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Fonte: Jornal do Brasil, 28/04/2005, Internacional, p. A13

Secretária de Estado dos EUA volta a criticar Caracas e pede que países vizinhos não permitam que democracia recue

BRASÍLIA - A preocupação do governo dos Estados Unidos com a Venezuela de Hugo Chávez e sua influência no cenário latino-americano voltou a ser a tônica do discurso da secretária de Estado americana Condoleezza Rice, no segundo dia de sua visita ao Brasil. Em palestra sobre política externa no Memorial JK, Condoleezza pediu que as nações da região não dessem ''marcha-ré'' na consolidação de suas democracias, e repetiu as críticas diretas que fez desde a chegada a Caracas.

- Governos eleitos democraticamente têm de agir democraticamente. É preciso saber se vai haver imprensa livre, como serão tratados os que criticam o governo - disse a secretária, falando da visão dos EUA quanto à Venezuela. Ela acrescentou que os que estão do ''lado certo'' têm obrigação de ajudar os que estão do ''lado do mal''. Também destacou que homens de princípio, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, levam a ''tocha da democracia'' e mostram o caminho a seguir aos outros países.

Condoleezza elogiou o avanço da democracia na América Latina, lembrando que há 25 anos, ao menos nove países do continente se encontravam sob regime ditatorial, e lamentou que a cadeira reservada a Cuba na Organização dos Estados Americanos (OEA) se mantenha vazia. A ilha governada por Fidel Castro, na visão da secretária, se mantém afastada do estado de direito ''em favor dos caprichos de seu governante''.

Rice citou, ainda, a participação do Brasil no processo de reconstrução do Haiti como exemplo de luta pela democracia e se referiu várias vezes ao país como um ''parceiro'' dos Estados Unidos em seu esforço de consolidação das repúblicas da região, mas descartou a possibilidade do país intermediar uma aproximação entre a Casa Branca e Chávez. Segundo a secretária, não há necessidade de mediador para os dois países.

- As metas de democracia podem parecer distantes para a Bolívia, o Equador e talvez para outros países. Mas construir uma democracia vibrante leva tempo. Não percam as esperanças. Não desistam. Não retrocedam agora - disse Rice.

A rápida viagem do ministro da Casa Civil, José Dirceu, a Caracas, na segunda-feira, foi interpretada como uma tentativa do Brasil de se posicionar como interlocutor entre as duas nações. Mas a hipótese foi novamente refutada, com veemência, pelo assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia.

- Não somos garoto de recado de ninguém, nem de Chavez, nem do presidente Bush, até porque os dois não necessitam. Acho que a secretária colocou muito bem isso aqui - disparou, irritado, após a fala da secretária de Estado.

As políticas do presidente Bush foram percebidas também na ênfase dada pela secretária às discussões sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), estagnadas há 15 meses. Para ela, seria a forma de unir 800 milhões de pessoas ''do sul do Chile ao norte do Canadá numa comunidade livre''.

O entendimento do livre comércio como motor do desenvolvimento econômico e da promoção de maior igualdade social está na base da política externa de Washington, segundo Condoleezza. Nesse sentido, afirmou, os EUA estariam dispostos a eliminar subsídios agrícolas nas negociações da rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), se todos os outros países-membros fizerem o mesmo.

Em um debate onde apenas os convidados tiveram a oportunidade de fazer perguntas, Condoleezza assistiu a uma discussão entre duas participantes, que divergiram sobre a demarcação de terras indígenas no país. Bem-humorada, a secretária afirmou que o debate dava um claro exemplo da ''vibrante democracia'' experimentada no Brasil.