O Estado de S. Paulo, n. 46589, 08/05/2021. Metrópole, p. A20

Desmate cresce 42% na Amazônia e volta a bater recorde

André Borges


O Brasil voltou a registrar recorde de desmate na Amazônia – 42% só em abril –, após o governo prometer dobrar as fiscalizações da floresta. Os dados oficiais do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgados ontem apontam ainda que em abril de 2021 a região registrou o maior índice de alertas de destruição para o mês em toda a série histórica, iniciada em 2015 com a operação do satélite Deter B.

O desmatamento cresceu 42% na relação com o mesmo mês (abril) do ano passado. Foram 581 km² até o dia 29, ante 407 km² em abril de 2020. A organização Observatório do Clima chama a atenção para o fato de que 26% da Amazônia estava coberta de nuvens no período, ficando, assim, invisível ao satélite. É o maior porcentual de nuvens para o mês na série iniciada em 2015. Isso significa que há grande chance de a área ser ainda maior.

Os dados apontam que, na prática, perdeu-se 58 mil hectares de floresta, o equivalente a cerca de 58 mil campos de futebol, em apenas um mês. “A estação seca na maior parte da Amazônia começa em maio e, a partir de junho, a tendência da devastação será consolidada. Neste momento não é possível afirmar o que acontecerá, mas pode ser que em 2021 ocorra uma inédita quarta alta consecutiva do desmatamento. Os próximos meses dirão”, alerta o Observatório do Clima. Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace Brasil, afirmou que “o desmatamento vai continuar em alta se nada for feito e é difícil imaginar que uma solução seja apresentada por um governo que é responsável por um aumento histórico do desmatamento e que represa e corta recursos para a proteção do ambiente”.

A preocupação geral é de que o País volte a registrar catástrofes como as ocorridas em 2019 na Amazônia e em 2020 no Pantanal. Duas semanas atrás, depois de o presidente Jair Bolsonaro afirmar que iria dobrar os recursos de fiscalização do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBIO), o governo fez exatamente o oposto, cortando aquilo que já estava previsto no orçamento dos órgãos por meio de vetos. Horas depois, o ministro do Meio Ambiente (MMA), Ricardo Salles, afirmou que chegou a um acordo com o Ministério de Economia para repor os orçamentos e ampliar os repasses da fiscalização. Segundo Salles, serão adicionados 270 milhões aos órgãos. Nesta semana, foi anunciada a contratação temporária de 1,6 mil profissionais para apoio às operações.

Hoje, Ibama e ICMBIO vivem séries restrições financeiras para executarem serviços básicos. O sistema de autuação por crimes ambientais também está paralisado, após Ricardo Salles impor regras que, na prática, impossibilitaram que o trabalho seja executado em campo. Questionado pela reportagem , o ministro do Meio Ambiente delegou a responsabilidade pelo controle ao vice-presidente Hamilton Mourão. “Abril ainda estava em vigor a GLO sob o comando do vice-presidente (que levou militares para a fiscalização). Peço encaminhar a ele os questionamentos”, declarou. A reportagem questionou a vicepresidência. Até as 19 horas, não houve resposta.

Para Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas da organização Observatório do Clima, os números do sistema Deter de abril, com o maior valor desde 2015, refletem a ineficácia do governo atual no controle do desmatamento. “Abandonam o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, substituem por narrativas, discursos em PDF com o título de plano no cabeçalho, deslegitimam os órgãos de fiscalização ambiental, e querem que esse esquema funcione”, comenta.

“Não adianta prometer fiscalizar”, continua ela. “Devem ser concretizadas medidas efetivas, em reversão completa da antipolítica ambiental que está sendo conduzida pelo atual governo. Eu duvido que essa reversão ocorra até o fim do governo Bolsonaro. O projeto deles é de desinstitucionalização da política ambiental.”

“Os dados dos últimos meses indicam uma tendência de alta muito preocupante, uma vez que nos aproximamos do período de seca na Amazônia e no Cerrado. O aumento do desmatamento reforça a percepção de que as ações do governo para o combate ao desmatamento continuam sem eficácia”, afirma o WWF Brasil. “Apesar do discurso apresentado na Cúpula do Clima, o governo de Jair Bolsonaro continua enfraquecendo o combate a ilegalidades por meio de mudanças contínuas que sistematicamente estrangulam o Ibama e demais órgãos ambientais.”