Título: ''A polêmica me alimenta''
Autor: SÉRGIO PRADO E TINA VIEIRA
Fonte: Jornal do Brasil, 24/04/2005, País / Entrevista, p. A2
Entrevista: José Genoino
José Genoino, presidente do PT, é daqueles políticos que não perdem o bom humor. Mesmo diante das críticas mais duras. ¿ A polêmica me alimenta, me dá prazer ¿ diz ele sobre o confronto interno, que precede a eleição para a presidência do partido, em setembro, onde ele sonha ficar e tem apoio considerado suficiente para ser reeleito.
Prazer, ele sente também ao fumar um cigarro Charm atrás do outro, enquanto explica os motivos que o levam a ser um dos principais defensores do governo. Por vezes, chega a ser confundido com porta-voz das ações de Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto, mas não se importa.
¿ O povo decidiu pelo voto que o PT é governo.
Se a urna decidiu em 2002, Genoino intui que o pode ser assim em 2006 também. Por isso, já entrou de cabeça na campanha que desemboca na tentativa de um segundo mandato para Lula. E tem como alvo ainda ampliar a presença do PT no maior número de estados possível, além de bancadas expressivas na Câmara e no Senado. Os petistas dizem que farão muitas alianças, embora excluam desde agora a união com o ex-governador Anthony Garotinho.
¿ É como água e óleo ¿ crava Genoino.
Mas antes da eleição, Genoino diz que o Executivo tem um trabalho duro de recomposição da base governista no Congresso. O diálogo e a negociação são as principais linhas, em especial na Câmara, ocupada por Severino Cavalcanti (PP-PE).
¿ O PT negociou com o governo para não colocar a independência do Banco Central na agenda.
Passados dois anos de governo Lula, Genoino reafirma que o partido não abandonou seu compromisso de fazer um governo voltado para a maioria. E diz que a manutenção da política macroeconômica é apenas ¿parte do processo¿. A seguir, os principais trechos da entrevista com o presidente nacional do PT.
¿ O que acha de ser chamado de pelego por companheiros de partido?
¿ Eu acho que é absolutamente normal e democrático. Eu defendo o governo Lula não é porque sou presidente do PT. É por convicção. Se eu não fosse do PT, defenderia mais ainda. Eu defendi as reformas do governo FHC. Temos que entender o jogo democrático.
¿ A militância se queixa de que o senhor deixou o papel de presidente do PT para ser um porta-voz do governo...
¿ Em primeiro lugar, esse não é o sentimento da militância e da maioria do partido. A ampla maioria do PT defende o governo Lula. A maioria da população acha que o PT tem a responsabilidade de governar. A missão do PT está correta. Agora, nada na vida - ainda bem que eu aprendi isso - é perfeito. Se eu quero mudar as pessoas eu tenho que ser mudado. É claro que cometi falhas.
¿ Qual a autocrítica que o senhor faz para esses dois anos à frente do PT?
¿ Na relação do partido com o governo, no fundamental, agimos correto. E a maioria dos problemas, ou nasceram no PT ou o PT aumentou.
¿ Mas seus adversários dizem que o PT precisa ter mais autonomia...
¿ Não tem como separar Lula-PT, PT-governo Lula. Se o PT não tivesse uma posição firme na reforma da Previdência, ela teria caído na Câmara dos Deputados. Se o PT não tivesse uma posição firme na defesa do ministro José Dirceu, que é uma pessoa chave do nosso partido e do governo, a oposição o tinha derrubado. Se o PT tivesse feito, na política econômica, uma oposição, nós não teríamos indicadores positivos que tivemos.
¿ O senhor é defensor de primeira hora do governo. Não deveria ser mais poupado?
¿ O PT tem uma delegação do povo para ser governo. O PT não pode reunir o diretório nacional e dizer: agora vou para a oposição, porque o povo decidiu pelo voto que o PT é governo. Não fui eu que decidi. Foi o povo. Um dia desses eu estava num debate e um companheiro chegou pra mim e disse: ¿Você defende muito o governo¿. Eu disse: ¿E você, que tem cargo, tem DAS, e não defende. Por isso que sobra pra mim, você está no governo e não defende¿. Então eu estou muito à vontade para fazer esse debate.
¿ E qual vai ser o discurso de Genoino para o partido nesta eleição?
¿ Vou mostrar o que fizemos pelo PT. O partido tinha 300 mil filiados e estamos hoje com 830 mil. Nós estamos em 4.300 municípios. Fizemos 10 conferências setoriais em que o PT articulou, participou. Participamos intensamente da campanha eleitoral de 2004. Fizemos negociações importantes com o governo e acho que vai ser a oportunidade de a gente dialogar com a militância. O PT não foi subserviente ao governo. Por exemplo, na reforma da Previdência, o PT negociou pontos essenciais com o governo. O PT também negociou com o governo para não botar a autonomia do Banco Central na agenda de 2005.
¿ Mas o ministro da Fazenda está colocando o projeto lá.
¿ Ele coloca o debate, mas o PT não adota. Isso não é o PT. Estou mostrando que eu fui PT, nunca fui governo no sentido de executar pelo governo. É que o PT não pode fugir à responsabilidade de defender as linhas básicas do governo.
¿ E quando as linhas estão erradas?
¿ Quando tem coisas erradas, nosso primeiro movimento é buscar mudar. O PT foi importante na solução da Medida Provisória 232, porque a gente, desde o começo, era contra.
¿ O senhor não acha que o PT deixou de ser PT no governo?
¿ Pelo contrário. O que é ser PT hoje? Ser PT hoje é mudar o Brasil.
¿ E os compromissos históricos do partido? A direita elogia mais o governo do que a esquerda. O que está errado?
¿ Primeiro, quem é esquerda? Eu sou esquerda. O campo majoritário é esquerda. O PT é esquerda. O que é ser de esquerda no Brasil e no mundo? É ter um compromisso com a bandeira da esquerda, que é a luta pela igualdade social. Vou mostrar que o nosso governo, diferente do governo FHC, investiu com benefício social a população mais necessitada. Eu vou dizer que os nossos compromissos históricos estão mantidos. Se não estamos realizando todos eles, é porque temos dois anos e meio de governo.
¿ O senhor teme a maneira como o PT sairá da eleição para a presidência do partido?
¿ Eu sei como vou entrar e sair. Eu me criei com a polêmica e gosto dela. Ela me alimenta, me dá prazer.
¿ Como um partido tão grande perdeu um posto estratégico como a presidência da Câmara?
¿ Perdemos porque erramos. Quando o partido se divide, perde. E a principal causa da nossa derrota na eleição da presidência da Câmara foi uma candidatura dissidente. Como o PT é o maior partido, na hora em que ele dá mau exemplo, os aliados não são tão aliados.
¿ O senhor não poderia ter evitado?
¿ No momento em que o Luís Eduardo foi aprovado pela bancada, alguns aliados disseram: ¿Ele não pode ser o candidato por três motivos: está identificado com direitos humanos, foi advogado do MST e política de segurança pública¿. Aí disse para os aliados: ¿Vocês estão colocando três questões que eu não posso ultrapassar. Faço alianças, mas eu sei qual é o meu lado e qual é a cadeira que me sento. Esses três motivos são inegociáveis para nós¿. Nós fizemos o possível dentro de um comportamento ético.
¿ Mas o governo e o partido têm conversando com pessoas cujos princípios não são considerados éticos.
¿ O PT pode dialogar, mas eu sei qual é o lado da mesa e a cadeira em que eu me sento. O PT hoje é um partido que adota a política de aliança. A esquerda não é maioria, nem na sociedade, nem nas instituições do Estado. Então nós temos que fazer uma aliança que vai da esquerda ao centro, para governar e para ganhar eleição. Quando o PT fez chapa puro sangue, na maioria das vezes perdeu.
¿ A relação do governo com os aliados teve conflitos. O PT quer se juntar, sem se misturar?
¿ Nós somos diferentes, mas podemos ter, um acordo de convivência democrática dentro da pluralidade de governar em alianças. A esquerda nunca vai governar este país sozinha, mesmo que fosse maioria . Estamos aprendendo que temos que dialogar com as diferenças, com humildade.
¿ A política de alianças é ruim para o PT?
¿ O PT e o governo Lula não têm feito barganhas. Algumas das derrotas que temos sofrido são exatamente pela correção do governo. Às vezes tem coisas que não dá para atender e vem a derrota. Mas o processo é esse.
¿ Como vão ser as alianças em 2006?
¿ Vou defender que em alguns estados, o PT apóie os aliados na cabeça de chapa. Isso é dividir o poder. O PT não pode só receber apoio, também tem que dar apoio. Segundo, vamos querer acordo dos aliados onde o PT tem cabeça de chapa.
¿ O partido está maduro a ponto de abrir mão de alguns lugares?
¿ O PT está maduro para fazer uma política de aliança correta, que seja respeitado. Uma coisa são os aliados aqui no Congresso, outra coisa é lá embaixo. A cultura de aliança no PT tem que ser feita da seguinte maneira: eu não posso desarticular o PT, nem posso descer nada de goela abaixo para o PT. Segundo, eu tenho que namorar e ficar com os aliados, mas não ir para o finalmente.
¿ E como será no Rio?
¿ O Garotinho, desde que saiu do PSB e ingressou no PMDB tem adotado uma linha de enfrentamento com o PT. Não temos aliança com o Garotinho, é impossível. Ali é água e óleo, não tem como juntar.
¿ Se o partido dele estiver no palanque com o Lula, o que ele vai fazer? Sair do partido?
¿ Esse assunto não é comigo. Até porque não posso opinar sobre uma questão do PMDB.
¿ O senhor fala em não antecipar o debate eleitoral, mas a prática leva para isso...
¿ Uma coisa é a gente dizer que quer continuar com o governo Lula em 2006. Outra coisa é precipitar uma agenda de uma campanha eleitoral. Uma agenda de palanques, de fatos eleitorais, de consagrar alianças.