Correio Braziliense, n. 21448, 06/12/2021. Política, p. 2

O fator Moro em 2022

Thaísa Medeiros 


Desde o anúncio da pré-candidatura do ex-ministro da Justiça Sergio Moro (Podemos) ao Palácio do Planalto, a tão falada "terceira via" ganhou novas configurações para as eleições de 2022. Moro, que ficou longe do país durante o último ano, retorna trazendo seu nome para o centro da disputa e, na opinião de especialistas, com possibilidade de crescimento significativo nas pesquisas, caso mantenha a postura contida, sem revidar ataques.

Para aliados, Moro é o candidato certo para aliviar as tensões da polarização política entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), que prometem ser mais altas em 2022 do que em 2018. É o que aposta o colega de partido do ex-juiz, o senador Eduardo Girão (CE). "É uma opção que renova a força de um símbolo perdido de esperança e transformação, sem termos que enveredar necessariamente para mais um Fla x Flu", crê. "O cidadão brasileiro não aguenta mais briga por política. Repugna isso. Ele quer maturidade e diálogo", acrescenta o parlamentar.

Girão destaca ainda que Moro goza de muita credibilidade junto a grande parte da população. "Seu trabalho exitoso, que ganhou popularidade por ser um símbolo positivo do país, de que a justiça seria para todos, está muito forte e recente no imaginário do povo brasileiro", afirma o senador, que menciona também um sentimento de "gratidão" de muitos brasileiros.

Leandro Consentino, professor de ciência política e relações internacionais do Insper, acredita que, caso Moro mantenha a popularidade, é possível que mude o rumo das eleições. "O desafio da terceira via é difícil quando há pulverização de candidatos, mas Moro é quem tem mais condições de fazer isso neste momento", avalia.

Consentino explica que a candidatura de Moro também torna delicada a situação do Partido dos Trabalhadores (PT), visto que enfrentar o presidente no segundo turno seria o melhor cenário para o partido de Lula. "Deverá haver um esforço de igualar Moro e Bolsonaro ao longo da campanha, em uma tentativa de deslegitimar essa candidatura", prevê.

Para Danilo Morais dos Santos, professor da pós-graduação do Ibmec-DF, uma eventual ascensão de Moro na preferência do eleitorado pode levar "Lula e Bolsonaro a um cessar-fogo entre si, tendo em vista que a maior ameaça para ambos é a chamada terceira via". Diante disso, é possível que a imagem do ex-juiz venha a sofrer alguns desgastes, em razão dos excessos cometidos pela Operação Lava-Jato, que devem ser explorados pelos adversários durante a campanha presidencial.

A respeito da candidatura, outro ponto a ser considerado são os limites da popularidade do ex-ministro, uma vez que ter o nome em pauta nas principais capitais do país, no caso de Moro, é um dos principais desafios. "É uma candidatura que vai do Oiapoque ao Chuí. Não basta ser um nome conhecido apenas em alguns lugares. Embora Moro tenha largado com muita potência na corrida eleitoral, há desafios pela frente para consolidar o nome dele para o ano que vem", explica Danilo Santos. O professor destaca também que o enraizamento partidário poderá fazer falta para o ex-ministro, que se filiou no início deste mês ao Podemos.

Proposta de Corte Anticorrupção repercute

Veiculada no domingo, a entrevista exclusiva de Sergio Moro (Podemos) ao Correio sobre a plataforma política para as eleições de 2022 despertou reações e repercutiu, em especial a respeito do anúncio da criação de uma Corte Nacional Anticorrupção, se eleito. A declaração revoltou congressistas da oposição e personalidades. Nas redes sociais, o ex-juiz foi acusado de propor o que seria um "tribunal de exceção" no Brasil e questionado se a tal Corte puniria também "juizes ladrões".

O deputado federal Rubens Otoni (PT-GO) questionou, em seu perfil no Twitter, o projeto do ex-juiz de criar uma Corte Nacional Anticorrupção. "Moro propõe criar corte nacional anticorrupção. Servirá contra juiz, ladrão e corrupto?", escreveu na rede social. Já a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) declarou que "Moro é corrupto, usou a toga e o sistema de Justiça para fazer política e atender seus interesses pessoais".

Além de políticos, outras figuras públicas se manifestaram sobre as declarações do pré-candidato pelo Podemos, como o ator José de Abreu e o youtuber e empresário Felipe Neto, que publicou um tuíte em que perguntava: "Que tal criar uma corte nacional anti juiz e promotor que fazem conluio para prender alguém sem provas por motivo político?"

Sergio Tuthill Stanicia, doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), disse que a sugestão é "uma besteira". Ele criticou um dos elementos citados por Moro na entrevista: o de que a Corte Nacional Anticorrupção contaria com "os melhores servidores e os melhores magistrados". "São tantas matérias essenciais: criminal, infância e juventude, trabalhista, previdenciária, eleitoral, ambiental. Tirar os 'melhores' dessas áreas para focar em 'corrupção' significa deixar os 'piores' para julgar as outras", escreveu nas redes.

O ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro reiterou, ontem, uma fala sua dita na entrevista de que, em seu projeto político, "as pessoas estarão em primeiro lugar, as pessoas estarão acima de tudo", uma clara referência ao lema do presidente Jair Bolsonaro — "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

Entrevista

Sergio Moro adiantou ao Correio, em entrevista dada à jornalista Denise Rothenburg, algumas de suas promessas de governo. Dentre os pontos em destaque, estão a Agência de Combate à Pobreza e a já comentada corte anticorrupção, que seria sediada no Judiciário. Esse último ponto tem particular relação com os reveses sofridos pela Operação Lava-Jato na semana passada, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as condenações de Antonio Palocci e outros condenados. "Nossos tribunais não podem ter uma resposta assim tão formal para o problema da corrupção. Precisamos ter uma construção de uma jurisprudência que faça com que quem roubou dinheiro público arque com as consequências", afirmou.

O pré-candidato também declarou que o presidente "não está nem aí para o combate à corrupção". Perguntado se abriria mão da candidatura à Presidência para ser vice em alguma composição partidária, Moro avisou que seu "navio já zarpou" e espera que, se tiver melhor performance mais à frente, os outros presidenciáveis tenham essa disposição.

Quando questionado se o sistema judiciário do país oferece capacidade para uma corte como à proposta por ele, foi direto: "Nós nos acostumamos com tantas coisas absurdas. Temos que mudar isso". (TM)