O Estado de S. Paulo, n. 46596, 15/05/2021. Política, p. A8

Supremo dá a Pazuello o direito de se calar na CPI

Rafael Moraes Moura


O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu ontem garantir o direito ao silêncio ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello em depoimento à CPI da Covid, na próxima quarta-feira, quando o general da ativa poderá ficar calado no caso de perguntas que possam incriminá-lo. O ministro, no entanto, o obrigou a comparecer à comissão e a se manifestar sobre questões relativas a terceiros, como o presidente Jair Bolsonaro.

Lewandowski também impediu Pazuello de sofrer "quaisquer constrangimentos físicos ou morais, em especial ameaças de prisão ou de processo". A oitiva é considerada crucial para o desdobramento da CPI.

Ao acionar o Supremo, a Advocacia-geral da União (AGU) apontou que Pazuello é alvo de inquérito que investiga sua atuação no colapso da rede pública de saúde em Manaus, onde dezenas de pessoas morreram asfixiadas devido à falta de oxigênio nos hospitais. O caso, que tramitava no STF, foi enviado à Justiça Federal do Distrito Federal após Pazuello perder o cargo e a prerrogativa de foro. Agora, um dos temores do governo é o de que o ex-ministro produza provas contra si mesmo, reforçando as acusações levantadas no inquérito.

"A circunstância de o paciente (Pazuello) responder a um inquérito sobre os mesmos fatos investigados pela CPI empresta credibilidade ao receio de que ele possa, ao responder determinadas perguntas dos parlamentares, incorrer em autoincriminação, razão pela qual se mostra de rigor o reconhecimento de seu direito ao silêncio", observou Lewandowski.

"No que concerne a indagações que não estejam diretamente relacionadas à sua pessoa, mas que envolvam fatos e condutas relativas a terceiros, não abrangidos pela proteção ora assentada, permanece a sua obrigação revelar, quanto a eles, tudo o que souber ou tiver ciência", escreveu.

Em uma decisão de 14 páginas, o ministro do STF destacou que Pazuello comandou o Ministério da Saúde por dez meses e concluiu que não seria possível dispensá-lo da convocação do Senado para depor à CPI da Covid.

Lewandowski tem perfil garantista, mais inclinado a ficar do lado dos direitos de réus e investigados. Como informou o Estadão, o ministro já havia garantido em 2012 o direito ao silêncio a um cidadão alemão que se tornou alvo da CPI do Tráfico de Pessoas, instaurada na Câmara dos Deputados.

Ao entrar com o habeas corpus preventivo no STF, a AGU apontou risco de "constrangimentos" ao ex-ministro, que poderia ser levado pelos senadores a "uma confissão de culpa". "Embora os parlamentares tenham o direito de questionar o que melhor lhes aprouver, não se pode exigir declarações daqueles notificados a comparecer como testemunhas que possam configurar uma cilada argumentativa que representaria a produção de provas contra si mesmo", disse o advogado-geral da União, André Mendonça.

A AGU alegou ao STF que o receio de Pazuello sofrer constrangimentos pode ser confirmado por conta do depoimento do ex-secretário de Comunicação Social da Presidência Fabio Wajngarten. Na quarta-feira, em uma sessão marcada por bate-boca, xingamentos e até ameaça de prisão, Wajngarten admitiu aos senadores que a carta na qual a empresa Pfizer se dispunha a negociar vacinas contra o novo coronavírus ficou dois meses sem resposta.

Em ofício ao STF antes da decisão de Lewandowski, o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL) alegou que o silêncio de Pazuello prejudicará os trabalhos de investigação da comissão. "Negar-se a responder à CPI equivale a esconder do povo brasileiro informações cruciais para compreender o momento histórico, responsabilizar quem tenha cometido irregularidades e evitar que se repitam os erros que levaram à morte de quase meio milhão de brasileiros inocentes, até agora", disse Renan.

Autoincriminar-se

"A circunstância de o paciente responder (...) empresta credibilidade ao receio de (...) incorrer em autoincriminação."

Ricardo Lewandowski

Ministro do STF