Título: Aeroporto polêmico alimentou crise
Autor: Marcelo Ambrosio
Fonte: Jornal do Brasil, 24/04/2005, Internacional, p. A7

Ex-presidente planejava construir terminal internacional em região alagada e oposição denuncia ação pró-EUA

Muitas razões levaram o ex-coronel Lucio Gutiérrez a perder a presidência do Equador em uma até agora mal explicada manobra congressual. As aparentes foram as denúncias de corrupção e a manipulação da Justiça. Neste rosário de suspeitas, no entanto, uma das contas que mais atrito geraram entre Executivo e Legislativo foi a do polêmico projeto do Aeroporto Internacional de Tena, pequena cidade a Oeste de Quito, na franja oriental dos Andes. Nascido como ¿obra prioritária para o desenvolvimento¿ no âmbito do programa Integração de Infra-Estrutura Regional Sul Americana (IIRSA), foi violentamente contestado no Congresso: parlamentares vislumbraram não um avanço econômico, mas uma manobra para facilitar o acesso dos Estados Unidos às plantações de coca e ao combate à guerrilha na fronteira colombiana. Orçado em US$ 69 milhões, dos quais US$ 50 milhões financiados pelo Brasil via carteira do BNDES (por indicação do Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID), o projeto prevê, segundo o edital do Instituto para el Ecodesarrollo de la Region Amazónica (Ecorae, órgão do governo), uma pista de pouso capaz de receber Boeings 767 e terminais para cargas e passageiros. A previsão é de ¿atender 250 mil turistas em 2021¿, no chamado Eixo Manta-Manaus de desenvolvimento. A licitação internacional ocorreu em dezembro do ano passado e foi vencida pela construtora Odebrecht. Porém, ao contrário do que se afirma na capital equatoriana, o projeto, sob forma de financiamento de exportação de serviços, ainda não foi aprovado e se encontra na diretoria do banco.

O que alarmou o Congresso, no entanto, foi um item da justificativa encaminhada pelo diretor da Ecorae, Alex Hurtado Borbúa, primo do presidente Gutiérrez e encarregado de tocar o plano, ao presidente da comissão de fiscalização e controle político, deputado Vicente Taiano, do Partido Renovador Institucional Acción Nacional. No texto, ao qual o JB teve acesso, Borbúa afirma que o projeto ¿visa a fortalecer as operações de vigilância aérea contempladas no Plano Colômbia¿.

¿ Sou daquela região e me preocupa saber que o primeiro ponto desse texto é justamente o que se refere ao plano ¿, denuncia o deputado Julio González, do partido Acción Nacional, também da comissão. ¿ Além disso, a vocação turística da região é escassa, o terminal ficará a 32 km da cidade de Tena por uma estrada de terra. Qual seria a necessidade, se com 15 minutos a mais de vôo se chega a Quito? O governo não justificou a verdadeira razão desse projeto: converter a pista em uma base militar ¿ completa Gonzalez.

O deputado lembra que os EUA já possuem um enclave no Equador, a base de Manta, controlada pelo Comando Sul, em Miami. Porém, fica do outro lado da muralha dos Andes. Por coincidência, Tena se situa na mesma linha. E a apenas 20 km da fronteira com a Colômbia. O uso como apoio a operações de vigilância aérea e aos aviões de fumigação reduziria o risco das ações, já que não se voaria sobre ¿território hostil¿ como hoje é preciso para alcançar a região do Putumayo. É lá que se concentram as lavouras de coca.

Procurado pelo JB, Hurtado não retornou as ligações, mas o engenheiro Jaime Arias, gerente de Planificação e Desenvolvimento do Ecorae, aceitou responder. Garantiu enfaticamente que a avaliação era errada.

¿ A menção foi um involuntário erro de redação. O projeto não tem vinculação com o Plano Colômbia, mas com o desenvolvimento turístico e agro-industrial ¿ disse.

Pode ser. Mas além de González, outros apontam indícios que reforçam a suspeita. Segundo o biólogo Alejandro Suárez, diretor da Estação Biológica Jatun Sacha, em Colônia Bolívar (a alguns quilômetros do local escolhido), a área, na Ilha Anaconda, não seria muito apropriada.

¿ É uma zona de inundação do Rio Napo, que passa ao Norte. Tivemos três grandes enchentes em 16 anos, com o rio subindo seis metros. Isso deixaria metade da pista sob a água. Com as cheias normais, de todo ano, a cabeceira ficaria submersa ¿ relata.

O estranhamento é maior em função de o biólogo coordenar dezenas de projetos de manejo sustentável criados para proteger a estação, reserva de bosques úmidos tropicais catalogada como uma das zonas de mais alta biodiversidade do mundo. Ali vivem 1.500 espécies de árvores, 550 de aves e 51 de mamíferos, incluindo felinos como o puma e o jaguar. Suárez está convicto de que a onda migratória temporária proporcionada pela construção é uma ameaça suficiente para superar eventuais benefícios do projeto.